Busca por psicólogos aumenta no Brasil graças a angústias com política

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No dia seguinte à realização do primeiro turno das eleições, a psicóloga Tatiana Bacic Olic atendeu dez pacientes em sua clínica, em São Paulo. Naquela ocasião, todas as consultas, sem nenhuma exceção, foram pontuadas pelas angústias e medos despertados pelo ambiente da política do País. “Muita gente chegou dizendo que não conseguia dormir, com crises de choro, deprimidas ou mesmo tomando medicamentos.”

O que aconteceu no consultório de Tatiana se repetiu em outras clínicas e divãs pelo Brasil. Segundo o diretor do Conselho Federal de Psicologia, Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, a entidade tem recebido um número expressivo de relatos sobre as consequências psicológicas do processo eleitoral. “Em 20 anos de profissão jamais vi algo parecido, o País vive um momento bastante complicado de instabilidade psíquica”, diz Bicalho.

Eleitores de Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) que buscaram ajuda de psicólogos e terapeutas nas últimas semanas estão com medo do “dia seguinte”, do futuro imediato e das consequências sociais e econômicas de uma eleição marcada pela polarização e negação do outro.

“Minha família procurou ajuda profissional porque o emocional está muito instável em casa. Meu irmão menor está assustado porque ouviu seus colegas falando sobre porte de arma em sala de aula; minha mãe chora todo dia e fala em ir embora do Brasil; fui ameaçada no Facebook por ser contra o Bolsonaro e meus amigos estão com medo de uma ditadura”, afirma uma estudante de 18 anos que, assim como outros pacientes, optaram pelo anonimato.

A psicóloga Flávia Eugênio conta que conversou com pacientes que estavam emocionalmente paralisados com receio até de andar na rua e de outras situações cotidianas. “A questão da violência está muito presente. Os pacientes LGBTs, por exemplo, estão se sentindo ameaçados pela hostilidade da eleição.”

A também psicóloga Ivani Francisco de Oliveira diz que “a própria dinâmica da disputa eleitoral é a de implantar o medo do outro, do adversário, nos eleitores.”

A terapeuta Maria Vicente, do coletivo Escuta Sedes, afirma que tem acompanhado o aparecimento “das fantasias mais primárias relativas ao desamparo e à vulnerabilidade frente às ameaças que se apresentam”. Para ela, chama atenção a presença de sofrimentos mais regressivos, como perturbações importantes e repentinas do sono (como insônias e pesadelos).
Ainda segundo Maria, podem ser detectados casos de perda de apetite, de vitalidade e da capacidade de enfrentar desafios corriqueiros da vida.

Medos ligados à política

Um empresário de 49 anos, eleitor de Bolsonaro, disse que as incertezas econômicas produzidas por uma imaginária vitória de Haddad são motivos de insônia e angústia. “Eu fico pensando nas empresas que podem deixar o País, fico pensando na crise que pode estourar se acontecer isso ou aquilo, fico pensando em como vai ficar a minha família em um ambiente econômico caótico”, diz Ele confessou que já tem tomado remédios para dormir e que foi aconselhado a evitar o noticiário político.

Já um comissário de bordo de 36 anos, eleitor de Haddad, conta como a eleição interrompeu um longo processo de reaproximação entre ele e o pai. “Sou homossexual, mas meu pai nunca aceitou. Depois que passei por uma cirurgia no quadril, meu pai voltou a falar comigo. Inclusive, ficava em casa me ajudando”, afirma. “Mas a coisa desandou quando descobrimos o candidato um do outro Nós voltamos a não nos falar. Ele não vem mais na minha casa – porque eu sou Haddad e ele Bolsonaro”.

Para a psicóloga Adriana Burani Venceslau, “o papel do terapeuta não é o de fazer uma intervenção política, mas ajudar o paciente a descobrir o que foi deflagrado pelo ambiente atual”. Ou seja, ajudar a desvendar as questões que já estavam pendentes nos relacionamentos e que vieram à tona, tendo como gatilho uma discussão que, na superfície, era “apenas sobre política.”

Empatia

O quadro de desequilíbrio emocional ficou tão evidente que psicólogos e terapeutas de diversas correntes estão promovendo as chamadas rodas de conversa e acolhimento. As ações funcionam como grupos de terapia coletiva – e são ações abertas e gratuitas.

“A ideia é abrir um espaço de fala e de escuta, principalmente para que as pessoas percebam que não estão sozinhas”, diz a psicóloga Flávia Eugênio, que tem promovido rodas de conversa em Santo André, na Grande São Paulo. “Temos de reinstalar a esperança a partir das próprias histórias de vida de cada um. Também tentamos promover a empatia entre elas”, afirma outra organizadora da roda, a psicóloga Ivani Francisco de Oliveira.

Segundo Tatiana Olic, a ideia é tentar fortalecer a ideia de “pertencimento”. “Nesse momento, as pessoas precisam entender que não estão sozinhas, que ainda existe empatia e possibilidade de diálogo”, afirma ela.

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