Quem passa por Timothy Ray Brown jamais imagina que ele é a primeira pessoa na história a ter sido curada da Aids. O americano de Seattle, Washington, passou por um tratamento complexo e quase mortal para se livrar do HIV. Registrado na literatura médica como “Paciente de Berlim”, Brown decidiu abandonar o anonimato em 2010 e mostrar ele mesmo ao mundo a própria a cura.
Brown esteve em São Paulo na semana retrasada para participar de uma convenção sobre HIV na USP. Na ocasião, ele conversou com a reportagem, contou sua trajetória e como lida com o fato de ser a primeira pessoa a ser curada da doença.
Hoje não gosta de ser identificado como o “Paciente de Berlim”. “Se os casos são realmente interessantes os cientistas têm de encontrar um modo de se referir àquela pessoa e identificar mais rápido de quem estão falando sem precisar expor o nome do paciente. Como o meu caso ocorreu em Berlim, me chamaram de o ‘Paciente de Berlim’, embora eu não seja de lá”, diz. “Em 2010, decidi dizer ao mundo meu nome e mostrar meu rosto. Quando as pessoas ainda usam ‘Paciente de Berlim’ eu fico meio irritado. Basicamente, dei permissão para usarem meu nome e disse que estou ok com isso.”
Aos 53 anos, Brown aparenta mais idade do que tem, mas traz também no olhar o brilho de quem decidiu viver. Ele enfrentou primeiro a Aids em meados de 1990, época em que ser infectado pelo HIV era uma sentença de morte. Depois, em 2006, descobriu ter leucemia que, embora não relacionada com a Aids, foi a chave para eliminar o vírus da doença.
Depois de tentar quimioterapia sem muito sucesso, Brown estava desenganado quando a equipe médica resolveu uma última tentativa, um transplante de medula. A sacada foi tentar combater não só a leucemia, mas também o HIV. O vírus precisa de uma proteína presente no sangue para se instalar e reproduzir. Ocorre que algumas pessoas não produzem essa proteína – uma mutação que os permite ser imunes ao vírus.
Estratégia contra a Aids
A estratégia inédita era tentar encontrar para Brown um doador de medula compatível e que tivesse aquela rara mutação genética. A ideia era destruir seu sistema imunológico e substituir a medula dele pela do doador, criando um novo mecanismo de defesa e exterminando não só a leucemia, mas também o HIV.
Embora tivesse recebido dois diagnósticos de doenças potencialmente mortais anteriormente e mantido a calma, Timothy revela que só quando estava sozinho no quarto do hospital e com o próprio sistema imunológico destruído é que começou a “enlouquecer”. O grau de vulnerabilidade que sentiu foi tamanho que o fez perder a praticidade com que lidava com a vida.
A experiência deu certo para eliminar a Aids, mas a leucemia ainda não tinha sido derrotada. “Neste sentido, a Aids tinha sido ‘fácil’ curar… Não é realmente fácil curar, mas eles tinham feito isso, mas a leucemia foi bem mais difícil”, lembra. Foi preciso fazer um novo transplante com o mesmo doador para combater o câncer.
O caso pioneiro de sucesso foi publicado em 2009 no periódico New England Journal of Medicine. Em março deste ano foi anunciado que a eliminação da doença tinha sido obtida uma segunda vez, no “Paciente de Londres”.
Brown conta como se sente com o título de primeira pessoa curada da Aids. “Em algum momento eu já pensei… e eu estou compartilhando algo que nunca falei antes, exceto para meu namorado. Às vezes penso que se houver mais pacientes curados eu não serei mais tão importante. Mas quero que haja, sim, muito mais curas. Meus pensamentos negativos não estão em sincronia com o meu desejo mais profundo (de uma cura universal).”