Na maior parte dos livros de biologia, existe uma separação entre três grandes domínios: Archaea, Bacteria e Eukarya. Os vírus sempre foram considerados como visitantes, uma vez que dependem de máquinas hospedeiras para realizar as suas transformações metabólicas e se replicar – eles não são auto-suficientes e não costumam ser considerados como entidades vivas.
Um estudo recente liderado por Frederik Schulz no Instituto de Genoma Conjunto do Departamento de Energia, operado pelo Lawrence Berkeley National Laboratory, torna ainda mais incerta a linha entre os vírus e os micróbios.
Ao montar o metagenoma do lodo de esgoto em Klosterneuburg, na Áustria, Schulz encontrou vários genes distintos, todos mapeando de volta ao mesmo vírus desconhecido, genes que até agora eram associados apenas a células vivas.
A partícula – chamada Klosneuvirus – ainda é um vírus, dado seus outros genes e o seu revestimento externo, mas seu genoma de 1,57 milhões de bases permite um maior grau de autonomia do que muitos de seus colegas virais.
Mais notavelmente, ele tem um complemento relativamente completo de máquinas de produção de proteínas, o que reduziria a dependência de células hospedeiras para fazer o seu trabalho.
Por exemplo, a maioria dos vírus não possui enzimas aminoacil-ARNt sintetase, que transferem aminoácidos para as moléculas de ARN de transferência. Enquanto alguns vírus gigantes previamente descobertos chegam a possuir sete das 20 enzimas aminoacil tRNA sintetases, o Klosneuvirus tem 19, tornando-o quase inteiramente independente do envolvimento do hospedeiro na síntese proteica.
Será que este vírus gigantesco poderia ser um sinal de um quarto domínio, algo entre a vida e a não-vida? Para responder esta pergunta, a equipe comparou as sequências de enzimas aminoacil-ARNt sintetase do Klosneuvirus com outras formas de enzimas da árvore da vida.
Surpreendentemente, os resultados foram os mais diversos possíveis, com as enzimas mostrando semelhanças com diversos organismos distintos, especialmente algas.
Assim, Schulz observa que “esses achados são incompatíveis com a hipótese de um quarto domínio (…) e implicam, em vez disso, na aquisição fragmentada desses genes por vírus gigantes”. Em outras palavras, as sequências de enzimas devem ter sido capturadas pelo vírus de forma oportunista e incorporadas a sua rede metabólica cada vez mais madura.
O Klosneuvirus é, provavelmente, o começo de uma reconfiguração mais abrangente da árvore da vida, trazendo informações o suficiente para propor a criação de uma nova subfamília, os Klosneuvirinae. Mas não é, ainda, a peça final para o grande quebra-cabeça que redefiniria os três grandes domínios conhecidos.
Fonte: Discover