Um novo método, desenvolvido por cientistas brasileiros, pode ajudar psiquiatras a diagnosticarem a esquizofrenia em sua consulta inicial com o paciente. A técnica, que emprega algoritmos para analisar a estrutura da fala dos jovens com sintomas iniciais da doença, poderá antecipar o diagnóstico em pelo menos seis meses, evitando o risco – bastante alto – de submeter o paciente à medicação errada, de acordo com os pesquisadores.
O estudo que descreve o novo método foi publicada na revista Schizophrenia, do grupo Nature, por uma equipe liderada pelo neurocientistas Sidarta Ribeiro, do Instituto do Cérebro, ligado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal. De acordo com Ribeiro, na área da Psiquiatria, um dos maiores problemas atuais para a indústria farmacêutica é desenvolver meios para evitar que o paciente seja tratado para a doença errada.
“Essas doenças não têm base biológica clara e, portanto, não há exames inequívocos para o diagnóstico”, disse Ribeiro à reportagem. Atualmente, por conta dessa dificuldade, é preciso acompanhar o paciente por seis meses para definir o diagnóstico, a fim de evitar uma medicação equivocada, que poderia ser desastrosa.
Em pesquisas anteriores, o grupo já havia mostrado que é possível utilizar modelos matemáticos para analisar a fala dos esquizofrênicos, mostrando também que, nesses pacientes, a estrutura do discurso é empobrecida, quase aleatória.
No novo artigo, porém, os cientistas conseguiram fazer medidas objetivas do grau de aleatoriedade da estrutura verbal de adolescentes psicóticos ainda em seu primeiro contato clínico.
“Mostramos que é possível calcular um número único – que chamamos de índice de fragmentação -, capaz de prever com grande acurácia o diagnóstico da esquizofrenia na primeira entrevista psiquiátrica do paciente. Isso significa que o psiquiatra pode usar esse índice para dar um diagnóstico inicial mais certeiro já na consulta inicial”, afirmou Ribeiro.
Sobre o método
O novo método de diagnóstico da esquizofrenia desenvolvido pelos cientistas do Instituto do Cérebro da UFRN se baseia na análise da fala dos pacientes. De acordo com a autora principal do artigo, a psiquiatra Natália Mota, a psicopatologia clássica já via na maneira de se expressar do esquizofrênico uma forma de distinguir a doença de outras, como do transtorno bipolar.
“Há muito tempo os sintomas da desordem do pensamento expressa na fala foram descritos como típicos da esquizofrenia. Não apenas o conteúdo do que a pessoa fala, mas a forma. O psiquiatra observa esses sintomas com base no que chama de ‘descarrilamento do pensamento e frouxidão das ideias'”, disse Natália à reportagem.
Segundo ela, no caso dos pacientes crônicos, o psiquiatra consegue perceber esses sintomas com relativa facilidade, a partir do histórico das crises e da expressão das ideias, que já apresenta clara falta de conectividade. Mas, em crianças e adolescentes que começam a ter sintomas, o clínico tem dificuldades para diferenciar a esquizofrenia da bipolaridade e de outros transtornos mentais.
“Percebemos que seria importante aplicar esse método de análise da fala logo início, a fim de poder rastrear quais pacientes poderiam desenvolver no futuro os sintomas mais difíceis de tratar, como a degradação cognitiva”, afirmou.
Aplicação clínica
Natália, que está concluindo o doutorado em Neurociências no Instituto do Cérebro, acompanhou as crianças que chegavam para a primeira consulta em um Centro de Atenção Psicossocial Infantil em Natal.
Depois de fazer gravações de 30 segundos da fala das crianças – enquanto elas contavam um sonho da noite anterior, por exemplo -, os cientistas analisaram como as palavras se conectavam, utilizando para isso um software desenvolvido por eles e baseado na teoria dos grafos, um ramo da matemática que estuda as relações entre os elementos de um conjunto, de palavras, neste caso. O estudo também teve participação do físico Mauro Copelli, da Universidade Federal de Pernambuco.
Depois da transcrição da gravação, os cientistas carregavam o arquivo de texto no software, cujo algoritmo quantifica as características da conectividade entre as palavras.
Seis meses após o experimento, já com o diagnóstico das crianças definido clinicamente, foi possível observar as diferenças do discurso daquelas que apresentavam esquizofrenia e testar a eficácia do método. “O que observamos é que, já na primeira entrevista, as crianças que seis meses depois foram diagnosticadas com esquizofrenia falavam de uma forma bem menos conectada e menos complexa”, disse Natália.
Ao combinar os três diferentes componentes matemáticos utilizados para obter as medidas de aleatoriedade da fala, os cientistas criaram um número único – o índice de fragmentação da fala -, que tornou o resultado ainda mais consistente. A técnica previu a esquizofrenia com mais de 80% de precisão. As informações são do jornal “O Estado de S. Paulo”.