Google Glass é usado por cientistas em terapia para crianças com autismo

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Crianças com autismo conseguiram avanços em suas habilidades sociais utilizando uma combinação de um aplicativo de smartphone com o Google Glass a fim de melhorar sua capacidade para decifrar as emoções transmitidas pelas expressões faciais das pessoas.

O resultado foi obtido em um estudo piloto realizado por cientistas da Universidade Stanford (Estados Unidos) e publicado na revista científica Digital Medicine. O autismo é um distúrbio de desenvolvimento caracterizado por déficits sociais, dificuldade de comunicação e comportamentos repetitivos.

A terapia se baseia no aplicativo desenvolvido pelos cientistas de Stanford, que fornece algumas pistas sobre a expressão facial das pessoas às crianças que usam o Google Glass. Ligado ao smartphone por uma conexão sem fio, o dispositivo semelhante a um par de óculos é equipado com uma câmera que registra o campo de visão do usuário, além de uma pequena tela e um alto falante que dão a ele informação visual e auditiva.

Enquanto a criança interage com outros indivíduos, o aplicativo identifica seus nomes e emoções pela tela ou pelo alto falante. Depois de três meses de uso regular do sistema, os pais das crianças com autismo envolvidas no estudo relataram que elas passaram a fazer mais contato visual e a se relacionar melhor com as pessoas.

De acordo com os autores do estudo, as terapias precoces para o autismo têm se mostrado especialmente eficazes, mas muitas crianças não são tratadas rápido o suficiente para obterem os benefícios máximos. Atualmente, por causa da falta de terapeutas especializados, as crianças podem levar até 18 meses para receberem um diagnóstico antes de começarem a receber tratamento.

“Temos muito poucos médicos especializados em autismo. A única maneira de enfrentar esse problema e criar sistemas domésticos de tratamento que sejam confiáveis. Essa é uma necessidade muito importante que não é atendida”, disse um dos autores do estudo, Dennis Wall, que é professor de pediatria e ciência biomédica de dados em Stanford.

Os pesquisadores relatam que, antes de participar do estudo, olhar nos olhos de outra pessoa era algo opressivo para o garoto Alex, de 9 anos. Sua mãe, Donji Cullenbine, tentava estimular delicadamente o contato visual, sem sucesso.

“Eu sorria e dizia para ele: ‘você olhou para mim três vezes hoje’. Mas na verdade não via avanço nenhum.”, disse a mãe. Segundo ela, o novo dispositivo mudou o que Alex sentia ao olhar para o rosto dos outros . “Funciona como um ambiente de jogo, no qual ele queria vencer. Ele queria acertar qual era a emoção da pessoa e tinha uma recompensa imediata quando acertava”, contou.

‘Superpoderes’

Gabby Warner, de 14 anos, foi uma das 14 participantes do estudo piloto feito por cientistas da Universidade de Stanford (Foto: Steve Fisch / Stanford University)
Gabby Warner, de 14 anos, foi uma das 14 participantes do estudo piloto feito por cientistas da Universidade de Stanford (Foto: Steve Fisch / Stanford University)

Os cientistas batizaram a nova terapia de “Óculos de Superpoderes” para que ela fosse mais atraente para as crianças. A terapia se baseia na análise comportamental aplicada, um tipo de tratamento para o autismo no qual os médicos ensinam o reconhecimento de emoções utilizando exercícios estruturados como cartões que mostram rostos expressando diferentes emoções.

Embora a análise comportamental aplicada tradicional ajude as crianças com autismo, segundo os autores, esse tipo de terapia tem algumas limitações. Ela precisa ser feita individualmente por terapeutas treinados, os cartões nem sempre capturam toda a gama de emoções humanas e as crianças podem ter dificuldades para transferir o que aprenderam para suas vidas cotidianas.

A equipe coordenada por Wall decidiu utilizar os princípios da análise comportamental aplicada em um sistema capaz de trazer para os pais e as situações cotidianas para o processo de tratamento.

A solução foi construir um aplicativo para smartphones que utiliza o campo da inteligência artificial conhecido como “aprendizado de máquina”, no qual os algoritmos reconhecem padrões e, à medida que recebem mais dados, adaptam-se a novos cenários e corrigem suas decisões com o mínimo de intervenção humana.

Utilizando o aprendizado de máquina, o aplicativo reconhece oito expressões faciais básicas: alegria, tristeza, raiva, nojo, surpresa, medo, desprezo e neutralidade. O aplicativo foi treinado com centenas de milhares de fotos de rostos que mostravam as oito expressões. Ele possui também de um mecanismo que permite que os usuários calibrem a leitura para indicar expressões neutras, quando necessário.

Segundo Wall, as crianças que têm desenvolvimento normal aprendem a reconhecer as emoções ao fazer contato visual com as pessoas ao seu redor. Para as crianças com autismo, o processo é diferente. “Eles não absorvem essas coisas sem um tratamento direcionado”, disse o cientista.

No estudo, 14 famílias testaram os Óculos de Superpoderes em casa por um período médio de 10 semanas. Todas elas tinham uma criança com idades enter 3 e 17 anos, com diagnóstico confirmado de autismo. A terapia foi utilizada pelo em menos três sessões de 20 minutos por semana.

Brincadeira terapêutica

App desenvolvido pelos cientistas de Stanford foi treinado com centenas de milhares de fotos de rostos humanos com diferentes expressões (Foto: Dennis Wall / Stanford University)
App desenvolvido pelos cientistas de Stanford foi treinado com centenas de milhares de fotos de rostos humanos com diferentes expressões (Foto: Dennis Wall / Stanford University)

No início e no fim do estudo, os pais completaram questionários para fornecer informação detalhada sobre as habilidades sociais de seus filhos. Em entrevistas posteriores, os pais e as crianças descreveram os resultados do programa terapêutico em suas famílias.

Os pesquisadores estabeleceram três maneiras para utilizar o programa de reconhecimento de emoções. No modo “jogo livre”, as crianças usavam o Google Glass enquanto interagiam ou brincavam livremente com seus familiares, enquanto o aplicativo fornecia a elas as dicas visuais e auditivas cada vez que uma emoção era reconhecida nos rostos em seu campo de visão.

No modo “adivinhe minha emoção”, um dos pais simulava uma expressão facial correspondente às oito emoções básicas e a criança tentava identificá-la. A brincadeira ajudava as famílias e os cientistas a acompanhar os avanços da criança na identificação de emoções.

Já no modo “capture o sorriso” é a criança quem dá a outra pessoa pistas sobre a emoção que desejam provocar, até que a pessoa a expresse. O objetivo é ajudar os cientistas a avaliar a capacidade da criança para compreender diferentes emoções.

De acordo com o estudo, as famílias relataram aos pesquisadores que o sistema é “envolvente, útil e divertido”, que “as crianças se mostraram dispostas a usar o Google Glass” e que “os dispositivos resistiram bem ao desgastes por serem usados por crianças.”

Doze das 14 famílias, incluindo a do menino Alex, disseram que as crianças fizeram mais contato visual depois de receber o tratamento. Em poucas semanas de envolvimento nos testes, Alex começou a se dar conta de que os rostos das pessoas dão pistas para suas emoções. “Ele me disse: ‘mamãe, eu estou conseguindo ler as mentes’. Meu coração se encheu de emoção. Gostaria que outros pais tivessem a mesma experiência”, disse a mãe.

Entre as famílias cujas crianças tinham um autismo mais severo, a escolha pelos modo “jogo livre” foi menos frequente, segundo os cientistas.

Redução de sintomas

Google Glass é equipado com uma câmera que registra o campo de visão do usuário, além de uma pequena tela e um alto falante que dão a ele informação visual e auditiva (Foto: Dennis Wall / Stanford University)
Google Glass é equipado com uma câmera que registra o campo de visão do usuário, além de uma pequena tela e um alto falante que dão a ele informação visual e auditiva (Foto: Dennis Wall / Stanford University)

Em uma escala padronizada para avaliar as habilidades sociais das crianças, aplicada com base em um questionário, foi registrada uma redução média de 7,38 pontos ao longo do estudo, indicando sintomas menos severos de autismo. Nenhum dos participantes teve aumento nos pontos, indicando que ninguém teve piora nos sintomas.

Seis dos 14 participantes tiveram uma redução dos pontos grande o suficiente para descer um degrau na classificação de severidade do autismo. Quatro deles tiveram a classificação alterada de “severo” para “moderado”, um passou de “moderado” para “leve” e um de “leve” para “normal”.

Os cientistas afirmam, no entanto, que esses bons resultados precisam ser interpretados com cuidado, já que se trata de um estudo piloto, que não envolveu um grupo de controle. Ainda assim, Wall afirma que “os resultados são promissores”.

Segundo Wall, alguns dos comentários dos pais nas entrevistas ajudam a ilustrar a melhora no quadro das crianças. “Os pais disseram coisas como ‘alguma chave foi acionada, meu filho está olhando para mim’, ou ‘de repente o professor veio me dizer que meu filho está envolvido nas aulas’. Tudo isso é muito reconfortante e animador para nós”, afirmou Wall.

A equipe de cientistas agora está terminando um teste da terapia mais amplo, com controle aleatório. Eles também planejam testar a terapia em crianças que acabaram de ser diagnosticadas com autismo e estão na fila de espera para tratamento. A Universidade de Stanford já deu entrada em um pedido de patente para a nova tecnologia.



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