Palmadas (pancadas com as palmas das mãos) são culturais. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), cerca de 80% dos pais em todo o mundo batem nos filhos com o intuito de discipliná-los. Crê-se que castigos físicos sejam capazes de chamar a atenção das crianças, que, consequentemente, ficam mais obedientes.
No entanto, um estudo feito por dois especialistas em desenvolvimento humano, com análise de dados científicos divulgados nos últimos 50 anos, afirma que castigos físicos podem não ter o efeito desejado pelos pais. Crianças que apanham estão mais propensas a desafiar os pais, desenvolvem problemas mentais e se tornam antissociais. O resultado foi divulgado recentemente no veículo acadêmico Journal of Family Psychology.
De acordo com Elizabeth Gershoff, professora da Universidade de Texas em Austin, nos Estados Unidos, e uma das responsáveis pelo estudo, a análise foi feita apenas com o que pais entendem como “palmada”- ou seja, castigo físico com o objetivo de disciplinar crianças. Situações claramente abusivas foram descartadas no estudo.
“A palmada foi associada a resultados negativos não intencionais e não há associação entre o castigo físico com obediência imediata ou a longo prazo, que são os resultados desejados por pais quando tentam discipilnar os filhos”, afirmou Elizabeth Gershoff.
Pesquisa das palmadas
A ‘pesquisa das palmadas’ foi realizada por Elizabeth Gershoff e Andrew Grogan-Kaylor, também professor, da Universidade de Michigan. Foram investigados muitos estudos passados, que envolveram mais de 160 mil crianças, ao longo das últimas cinco décadas.
Os resultados foram impressionantes: as palmadas estiveram relacionadas a 13 dos 17 resultados negativos pesquisados. Crianças que apanhavam na infância com intuito de serem discipilnadas eram mais propensas a desenvolver problemas de saúde mental e de socialização.
Pesquisas anteriores apontam, ainda, que as palmadas podem atrapalhar o desenvolvimento do QI de crianças e aumentar o risco de serem mais agressivas, depressivas, ansiosas e paranoicas.
Além dos riscos relacionados à saúde, as palmadas não conseguem nem mesmo os objetivos de disciplina. Alguns estudos sugerem que crianças podem ficar mais obedientes a curto prazo, no entanto, a longo prazo, elas ficam mais desafiadoras que outras que não sofreram com castigos físicos.
Palmadas vs. abuso
Apesar de a sociedade não entender as palmadas como parte de uma situação abusiva, a pesquisadora Elizabeth Gershoff afirma que os resultados negativos obtidos com os castigos físicos considerados “convencionais” são semelhantes aos associados com formas mais severas de violência física.
“Enquanto sociedade, pensamos na palmada e no abuso físico como comportamentos distintos. No entanto, a pesquisa mostra que a palmada está ligada aos mesmos resultados negativos de crianças que sofreram abusos, apenas em um grau um pouco menor”, disse Elizabeth Gershoff.
A intervenção e a conscientização parece ser o melhor caminho para melhorar o cenário, segundo Elizabeth Gershoff. A pesquisa aponta que os pais aplicam menos castigos físicos quando são orientados a isso – especialmente quando fica claro que a redução prevê menos problemas de comportamento por parte da criança.
Lei da Palmada no Brasil
Proposta em 2003 e aprovada em 2014 pelo Congresso Nacional Brasileiro, a Lei Menino Bernardo – também conhecida como Lei da Palmada – proíbe o uso de castigos físicos ou tratamento cruéis/degradantes para disciplinar crianças e adolescentes.
Pais que forem descobertos maltratando os filhos podem ser advertidos, encaminhados a programas de proteção à família ou direcionados a cursos de conscientização ou tratamento psicológico ou psiquiátrico. Há, ainda, o risco de perderem a guarda dos filhos. As crianças são encaminhadas a tratamentos especializados por psicólogos. Médicos, professores e agentes públicos que souberem de situações do tipo e não denunciarem podem ser multados em três a 20 salários mínimos.
A lei, que divide opiniões no Brasil, mas ganhou respaldo até mesmo científico, diz:
A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.