O neurocirurgião italiano Sergio Canavero apareceu em vários noticiários em todo o mundo no ano passado com a ousada afirmação de que ele logo estaria costurando a cabeça de alguém em outro corpo. Parece que ele não é a única pessoa pensando em realizar o que tem sido chamado de transplantes de cabeça, ou mais apropriadamente, transplante de corpo inteiro.
O cirurgião e ortopedista chinês Xiaoping Ren da Universidade Médica de Harbin, China, disse recentemente ao New York Times que ele estava montando uma equipe para realizar tal procedimento. Ao contrário de Canavero, que apenas sonha com a ideia, Ren supostamente tem planos para colocá-la em pratica. Segundo Ren, a operação iria acontecer quando ele e sua equipe estiverem prontos.
Quase duas décadas atrás, Xiaoping Ren era parte de uma equipe da Universidade de Louisville, que ajudou a realizar o primeiro transplante de mão nos EUA. Ele passou 16 anos na América, antes de voltar para sua casa, em Harbin. Pouco tempo atrás, foi noticiado que ele fez milhares de transplantes de cabeça em ratos, mas os animais sobreviviam apenas um dia. Ren também afirmou que tinha começado a praticar o feito em cadáveres humanos, mas não deu detalhes de como era o procedimento.
A ideia de transplantes de cabeça e de corpo inteiro tem sido explorada por cientistas que procuram salvar pessoas de doenças mortais, como a atrofia muscular espinhal. Mas os desafios de tal esforço são bem grandes, para dizer o mínimo.
Aqui estão cinco dos principais obstáculos que cientistas terão que superar antes de fazer transplantes de cabeça:
1. A cabeça não pode permanecer viva por conta própria
Em qualquer transplante, o órgão doado tem de ser mantido vivo até que ele possa ser colocado no corpo do receptor. Assim que um órgão é removido do corpo, ele começa a morrer.
Para transplantes, como de coração e rins, os médicos mantém o órgão resfriado para que ele fique viável de ser transplantado o quanto antes. A baixa temperatura ajuda a reduzir a quantidade de energia que as células do órgão precisam para se manterem vivas.
Para isso, os médicos banham o órgão em uma solução de água salgada (salina). O processo pode preservar rins durante 48 horas, fígados por 24 horas e corações por cerca de 5 a 10 horas. Mas para uma cabeça, seria um processo muito mais difícil.
A cabeça não é apenas um órgão isolado. É a parte mais pesada e também uma das mais complexas do corpo. Ela contém cérebro, olhos, ouvidos, nariz, boca e pele, assim como dois sistemas separados de glândulas: pituitária (que controla os hormônios que circulam por todo o corpo) e salivar (que são responsáveis pela produção de saliva).
No momento da decapitação, a pressão arterial na cabeça cai drasticamente. Como resultado, a perda de sangue fresco e oxigênio faz com que o cérebro entre em estado de coma, logo seguido de morte. E isso nos leva ao próximo problema.
2. O sistema imunológico precisa aceitar uma nova cabeça
Como acontece com qualquer transplante, um dos principais problemas enfrentados pelo paciente é seu próprio corpo. Se o sistema imunológico sinalizador que um órgão (ou órgãos, neste caso) é desconhecido, isso pode desencadear um ataque em grande escala. O que acontece, neste caso, é que o sistema imunológico do corpo que recebeu o novo órgão, irá detectar substâncias das células do novo órgão, que são chamadas de antígenos.
Os antígenos não coincidem com aqueles encontrados no corpo. É por isso que quase todos os pacientes transplantados tomam drogas imunossupressoras após um procedimento de transplante. E como a cabeça é extremamente complexa e inclui inúmeros órgãos, o risco de uma rejeição é muito maior.
3. A cirurgia precisa ser feita em menos de uma hora
Em uma experiencia feita em 1970, o neurocirurgião Robert White fez um transplante de cabeça de um macaco para o corpo de outro. Ele manteve ambos os corpos resfriados em cerca de 15°C durante o procedimento. O macaco com a cabeça transplantada sobreviveu apenas oito dias após a cirurgia, pois o sistema imunológico rejeitou a cabeça, ocasionando sua morte.
Para que o procedimento funcione, ambas as cabeças teriam de ser removidos dos seus corpos ao mesmo tempo. Trabalhando rapidamente, os cirurgiões teriam que costurar a cabeça da pessoa que querem manter viva no sistema circulatório do corpo do doador, enquanto ambos os corpos estão sob parada cardíaca total. E tudo isso teria de ser feito em menos de uma hora.
4. A coluna vertebral é complicada de se juntar
Para que a cabeça seja capaz de se comunicar e controlar o seu novo corpo, a coluna vertebral e o cérebro devem estar perfeitamente ligados. Isso não aconteceu com o transplante feito no macaco. Embora ele pudesse ver, mover seus olhos e comer, ele ficou paralisado do pescoço para baixo.
O maior obstáculo técnico de um “transplante de cabeça” é naturalmente a conexão da cabeça com a medula espinhal. Nos experimentos passados, isso não era totalmente possível, mas com a tecnologia atual, esse procedimento pode ser feito, segundo os cientistas.
A tecnologia para tal procedimento é uma “cola biológica especial”, chamada de polietileno glicol. Na década de 1930 e 1940, alguns cirurgiões experimentais utilizaram este material, que é um tipo de plástico, para juntar as medulas espinhais de cães. Mas estas experiências consistiam basicamente em anexar uma cabeça no corpo completo de um cão, não substituindo a cabeça dele por uma outra, mas sim deixando-o com duas cabeças. Estes procedimentos também eram realizadas em menos de uma hora.
Já em humanos, após o procedimento, o paciente seria colocado em coma durante um mês, para permitir que a parte inferior da medula espinhal (corpo), fique fixada de fato a parte superior (cabeça). Caso contrário, a medula espinhal poderia ficar retorcida. Mas deixar o paciente em um longo coma é um problema em potencial, por que o coma medicamente induzido, muitas vezes resulta em infecções, coágulos sanguíneos e atividade cerebral reduzida.
5. O procedimento precisa ser testado em animais antes de ser feito em humanos
Antes de que cirurgiões saim por ai transplantando cabeças, todos os procedimentos precisam ser estudados e testados antes em animais. E há enormes obstáculos para conseguir aprovação para tais experiências que envolvem tanta crueldade.
Para que uma aprovação desse tipo de procedimento ocorra, seria necessário convencer pessoas do alto escalão cientifico e politico de que transplantes de cabeça são úteis e necessários para salvar vidas. O que não é uma tarefa fácil, ainda mais se tratando de animais de médio/grande porte.