Compostos cancerígenos do churrasco entram no corpo através da pele

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Já se sabia a fumaça produzida pelas churrasqueiras contém uma quantidades consideráveis de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA), compostos cancerígenos que podem causar doenças respiratórias e mutações no DNA. Um novo estudo, porém, mostra que a maior parte dessas substâncias não penetra no organismo dos participantes dos churrasco pelas vias respiratórias, mas através da pele.

A nova pesquisa, publicada na revista científica Environmental Science & Technology, foi coordenada por Eddy Zeng, da Escola de Meio Ambiente da Universidade de Jinan, na China, e também envolveu cientistas da Universidade de Pequim, também na China.

De acordo com os cientistas, os HPAs, produzidos pela queima incompleta de substâncias orgânicas como o carvão, a lenha e a gasolina, também se formam por meio de uma reação química quando a fumaça entra em contato com a gordura e as proteínas das carnes assadas nas temperaturas elevadas da churrasqueira.

Estudos feitos com roedores têm mostrado que a exposição prolongada aos HPAs está ligada ao risco aumentado de certos tipos de câncer, incluindo tumores de pele, mama, bexiga, fígado e próstata. A maior parte das pesquisas já feitas, porém, tinham foco na exposição aos HPAs pela própria comida e pela fumaça da churrasqueira.

O novo estudo confirma que a maior quantidade de HPAs é absorvida mesmo pela ingestão do churrasco. No entanto, para surpresa dos pesquisadores, o nível de absorção dessas substâncias pela exposição à fumaça é maior pela pele do que pelas vias respiratórias.

De acordo com Adelaide Cassia Nardocci, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP), que não está envolvida no estudo chinês, as concentrações de HPA liberadas por um churrasco são pequenas, mas não podem ser negligenciadas, porque elas se somam à exposição praticamente constante a essas substâncias que também estão presentes na poluição urbana.

“Sabemos que essas substâncias têm um potencial para causar alterações que podem levar à formação de processos cancerígenos e por isso elas são, sim, uma grande preocupação do ponto de vista da saúde pública. Por causa da poluição atmosférica, estamos expostos a elas ao longo de toda a vida. Em conjunto, a absorção pelas vias respiratórias e a exposição pela via alimentar geram um risco que não é desprezível, ainda que as concentrações sejam muito baixas”, disse Adelaide.

Segundo Adelaide – que em sua tese de livre-docência, defendida na USP em 2010, avaliou os riscos da exposição aos HPAs para a população da cidade de São Paulo -, a conclusão da pesquisa chinesa é importante para chamar a atenção sobre os riscos envolvidos no preparo dos alimentos.

“O churrasco é particularmente preocupante, porque expõe a carne a uma temperatura alta e, além dos compostos já presentes na fumaça, temos a queima da gordura, que contribui para a produção de HPAs. É um processo de preparo que deveria ser evitado na medida do possível – especialmente levando-se em conta essa nova informação de que há uma absorção considerável pela pele”, afirmou Adelaide.

A professora afirma que a queima da gordura é a parte mais crítica do churrasco, em termos de produção de HPAs. “Em geral, a carne fica por longo tempo na churrasqueira e a gordura vai sendo queimada à medida que envolve o alimento cada vez mais. Feita dessa forma, as substâncias nocivas são incrementadas. É absolutamente desaconselhável expor a carne à fumaça”, declarou.

De acordo com Adelaide, os HPAs são formados por longas cadeias de carbono produzidas pela queima incompleta de todo tipo de biomassa, da madeira ao petróleo. São conhecidos mais de 100 tipos diferentes de HPAs, dos quais 16 causam preocupação da perspectiva da saúde pública. “Desses compostos, há pelo menos sete ou oito que já são considerados carcinogênicos, ou potencialmente carcinogênicos.”

Apesar da estrutura química de grandes dimensões, os HPAs são lipossolúveis – isto é, dissolvem-se na gordura – o que facilita sua absorção pela, de acordo com Adelaide.

“Essa conclusão do novo estudo é importante, porque reforça uma tese que muitos especialistas defendem, de que a importância da absorção cutânea tem sido subestimada. Sempre consideramos a pele como uma via de exposição menos importante, mas esse e outros estudos estão mostrando que ela é muito relevante.”

Churrasco científico

Para realizar o estudo, os cientistas fizeram um experimento com 20 homens, com idades de 22 a 25 anos, que participaram de um churrasco de 2,5 horas em Guangzhou, na China. Os participantes foram divididos em três grupos.

O primeiro grupo comeu o churrasco, mas tomou precauções para evitar a exposição à fumaça – tanto pelo nariz como pela pele. O segundo grupo ficou ao lado da churrasqueira, exposto à fumaça, mas não comeu carne. Um terceiro grupo não comeu churrasco, utilizou uma máscara especial para evitar a inalação da fumaça, mas ficou exposto à fumaça.

Os cientistas coletaram amostras de urina de todos os participantes antes e depois do churrasco. Eles também coletaram amostras do ar durante o evento, para analisar os níveis de HPAs. Os pesquisadores calcularam, ainda, estimativas da ingestão de HPAs pelos participantes através da comida, do ar e da pele.

Como esperado, o consumo da carne assada na churrasqueira correspondeu ao maior nível de exposição aos HPAs. Mas o segunda principal rota de absorção foi a pele, seguida pela inalação da fumaça.

O estudo também mostrou que roupas compridas não são suficientes para evitar a absorção de HPAs pela pele. Os cientistas verificaram que as roupas reduziram a quantidade de HPAs absorvida pela pele por um curto período, mas, só até que os tecidos ficassem saturados com a fumaça.



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