Por mais de um milênio, muitos estudiosos já notaram uma curiosa correlação: os ateus costumam serem pessoas mais inteligentes do que os religiosos.
Ainda não é muito claro por que essa tendência persiste, mas os responsáveis por um novo estudo possuem uma ideia: a religião é um instinto, dizem eles, e aqueles que conseguem ir além de seus instintos são mais inteligentes que as pessoas que dependem demais deles.
“Inteligência – para resolver problemas racionalmente – pode ser entendido como uma forma de superar o instinto e ser intelectualmente curioso, e assim ser aberto a possibilidades não instintivas” disse Edward Dutton, o principal autor desse novo estudo.
Associação antiga
Na Grécia e Roma clássica, já era consenso que pessoas consideradas “tolas” tinham tendência a serem religiosas, enquanto que os “sábios” eram geralmente céticos, conforme disseram Dutton e Dimitri Van der Linden, co-autor do estudo.
Os antigos não foram os únicos a fazer tal associação. Os cientistas fizeram uma meta-análise de outros 63 estudos, e puderam concluir que pessoas religiosas tendem a ser menos inteligentes que os ateus. E essa ligação era mais forte entre estudantes universitários e o público geral do que em alunos menores de idade. E que ela estava mais presente nas crenças religiosas do que no comportamento religioso.
Mas por que essa associação existe? Dutton tentou procurar uma resposta, e imaginou que a razão era que pessoas ateístas eram mais racionais que seus irmãos religiosos. Só que “mais recentemente, comecei a imaginar que isso estava errado, na realidade. Encontrei evidências de que a inteligência é associada positivamente com certos tipos de erro”
Um estudo publicado em 2012, pelo Journal of personality and Social Psychology, mostrou que estudantes universitários respondem perguntas lógicas equivocadamente, mas não percebem o erro que cometeram. Isso acontece quando o indivíduo não consegue notar as falhas em sua linha de pensamento. Só que o mais interessante é que isso está associado com uma habilidade cognitiva muito maior.
Se pessoas inteligentes são menos suscetíveis a perceber suas próprias falhas, isso significa que elas são menos racionais em alguns assuntos, disse Dutton. Então, por que a inteligência é associada com o ateísmo? A resposta, que é sugerida por ele e seu colega, é que a religião é um instinto, e é preciso inteligência para conseguir superá-lo.
Instinto básico
A teoria de que a religião é um instinto é uma versão modificada de uma ideia desenvolvida por Satoshi Kanazawa, um psicólogo da London School of Economics, que não estava envolvido nesse novo estudo.
A teoria de Kanazawa tenta explicar as diferenças de comportamento e atitudes entre as pessoas muito e pouco inteligentes, disse Nathan Cofnas, doutorando em filosofia da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Cofnas também não está envolvido no novo estudo.
Essa hipótese é baseada em duas suposições, de acordo com Cofnas: “A primeira é que nós estamos psicologicamente adaptados para resolver os problemas recorrentes encarados por nossos ancestrais na África. E a segunda é que a inteligência geral (que é medida pelo QI) evoluiu como forma de nos ajudar a lidar com problemas não recorrentes, dos quais nós não evoluímos completamente ou desenvolvemos adaptações psicológicas.”
Essas suposições implicam que “pessoas inteligentes devem ser melhores que pessoas menos inteligentes para lidar com as ‘novidades evolutivas’ – situações e entidades que não existiam no ambiente ancestral”, disse Cofnas.
Dutton e Van der Linden modificaram essa teoria, e sugerem que a novidade evolutiva é algo que opõe instintos evoluídos.
Aproximação Filosófica
Essa aproximação é interessante, mas pode ser tornar mais forte se os pesquisadores conseguirem explicar, exatamente, o que é que eles querem dizer com “instinto religioso”, afirmou Cofnas.
“Dutton e Van der Linden propõem que, se a religião possui uma base instintual, as pessoas inteligentes são melhores para superá-la e adotar o ateísmo. Mas sem saber a natureza precisa desse ‘instinto religioso’, não podemos descartar a possibilidade de que o ateísmo, ou pelo menos algumas formas dele, não possuem esses mesmo instintos.”
Como exemplo, o autor Christopher Hitchens acredita que o comunismo é uma religião; movimentos seculares, como o veganismo, apelam para os mesmos impulsos – e possivelmente, instintos – que muitas religiões tradicionais fazem uso, comentou Cofnas. A religião e o ateísmo são baseados na fé, pois é fácil de identificar suas comunidades de adoradores.
Religião e estresse
Os pesquisadores também examinaram uma ligação entre instinto e estresse, e enfatizaram que pessoas que fazem uso de seus instintos durante períodos de estresse podem se tornar religiosas durante uma experiência de quase-morte.
Os pesquisadores argumentam que a inteligência ajuda as pessoas a irem além desses instintos durante períodos de estresse.
“Se a religião é de fato um domínio evoluído – um instinto – então se tornará um destaque em tempos de estresse, quando as pessoas possuem tendência de agir instintivamente, e há claras evidências disso. Isso significa que a inteligência nos permite fazer uma pausa e pensar a respeito de uma situação e as possíveis consequências de nossos atos”, disso Dutton
Pessoas que conseguem ir além de seus instintos possuem maior possibilidade de serem ótimas solucionadoras de problemas, notou Dutton.
“Vamos dizer que alguém te provocou. Seu instinto seria lhe dar um soco na cara. Uma pessoa mais inteligente será capaz de evitar que isso aconteça e chegar a um acordo para resolver o problema, da maneira que acharem”, concluiu Dutton.