O presidente Michel Temer decidiu revogar o decreto de extinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), uma área da Amazônia entre os estados do Amapá e do Pará. Segundo auxiliares, a decisão levou em conta a polêmica em torno do decreto e, diante de novas pressões, o presidente decidiu deixar que o tema seja mais debatido.
Temer assinou a revogação na tarde da última segunda-feira (25), e ela foi publicada no Diário Oficial da União desta terça (26). Ao revogar o decreto, o governo federal restabelece as condições originais da área, criada em 1984. Pelo ato, ficam revigorados o Decreto nº 89.404, de 24 de fevereiro de 1984, e o Decreto nº 92 107, de 10 de dezembro de 1985.
No dia 14 deste mês, a Comissão de Meio Ambiente da Câmara pediu a revogação definitiva do decreto. “A maneira agressiva que foi feito (o decreto) não só causou constrangimento da sociedade brasileira, mas do parlamento como um todo, atingiu a Câmara e o Senado”, afirmou o presidente da comissão, Ricardo Trípoli (PSDB-SP), na ocasião. “Estamos aguardando que o governo revogue por definitivo e diga quais são os propósitos de exploração na área.”
O decreto de extinção da reserva foi assinado pelo presidente Michel Temer no dia 23 de agosto. Diante da repercussão negativa, o governo fez outro decreto, o que não aplacou as críticas. O Ministério de Minas e Energia, depois, publicou portaria para congelar por 120 dias a proposta. O decreto também era questionado no Senado.
O decreto original provocou uma onda de protestos de ambientalistas e artistas, como a modelo Gisele Bündchen, que acusaram o presidente de estar “vendendo” uma parte da Amazônia para interesses de mineradoras estrangeiras. As críticas chegaram até ao Rock in Rio, novamente pela voz de Gisele e da líder indígena Sônia Guajajara, que fez um protesto durante a apresentação de Alicia Keys.
A Renca originalmente não era uma área de proteção ambiental. Ela foi criada para assegurar a exploração mineral ao governo, mas com o passar dos anos acabou ajudando a proteger a região, na Calha Norte do Rio Amazonas, que é hoje uma das mais bem preservadas da Amazônia.
A reserva mineral, criada em 1984, pelo então governo militar, delimitou um retângulo de 4,7 milhões de hectares na região entre o Pará e o Amapá rico em ouro, nióbio e outros metais, onde somente o próprio governo poderia exercer qualquer atividade mineral. Havia um bloqueio a empresas privadas, que foi levantado pelo decreto do presidente Michel Temer que extinguiu a Renca no final de agosto.
Ao longo desses 33 anos, a região praticamente não teve exploração mineral, o que acabou colaborando com a proteção da região, uma das mais bem preservadas na Amazônia. Paralelamente, ao longo desse período, os governos federal e estaduais criaram nove áreas protegidas na região – sete unidades de conservação e duas terras indígenas naquela área -, que acabaram se sobrepondo à Renca.
Hoje quem de fato preserva a floresta ali são essas UCs e TIs. Com Renca ou sem Renca, só é possível hoje ter exploração mineral em algo entre 15% e 30% desse quadrilátero de 4,6 milhões de hectares.
O temor de ambientalistas era que, com a extinção da Renca, haveria um novo interesse de empresas de mineração pela região. Mesmo o Ministério do Meio Ambiente tinha se mostrado contrário a essa medida, e o ministro Sarney Filho disse, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que foi pego de surpresa com a decisão de Temer de extinguir a Renca.
Vale liderou pedidos de exploração
A Vale foi a empresa que apresentou mais pedidos de licença para a exploração mineral na Reserva Nacional do Cobre (Renca). O Ministério de Minas e Energia estabeleceu, na publicação do decreto presidencial que extinguiu a reserva, que apenas pedidos de exploração e pesquisa anteriores a 1984, ano de criação da Renca, seriam analisados. A mineradora detém a maioria dos pedidos antigos.
Publicada em abril, a Portaria 128, do ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Bezerra Filho, indeferia os pedidos pós-criação da reserva, em um total de 551 – e nessa lista de rejeitadas estão subsidiárias da Vale e de grandes empresas do setor, como a Anglo American. Dos 154 pedidos de exploração e pesquisa antigos e passíveis de análise, pelo menos 104 eram de empresas da Vale.
Os dados são do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e do cadastro de empresas jurídicas do Ministério da Fazenda. Uma parte das empresas dessa lista já teve baixas e seus pedidos e direitos foram incorporados por outras.
Para ter acesso à Renca, a Vale operou por meio de um emaranhado de empresas. Uma delas é a Mineração Guanhães, com 19 pedidos de licença. Neste ano, a Guanhães ainda obteve do DNPM direitos de mineração das empresas Itapi, Bacajá, Iriri, Araguaia, Capoeirana e Tapajós, antigos registros da companhia que têm pedidos de exploração da reserva. Dados do Ministério da Fazenda mostram que a Guanhães está ativa e funciona no terceiro andar de um prédio na Avenida Graça Aranha, no centro do Rio, espaço ocupado pela Fundação Vale do Rio Doce de Seguridade Social (Valia). A Guanhães tem entre seus sócios a própria Vale S.A. e a Docepar, outra subsidiária da mineradora. Procurada, a Vale negou ser proprietária.
Bastidores
A proposta de extinção da Renca foi costurada por Vicente Lôbo, secretário de Mineração, Geologia e Transformação Mineral, da pasta de Minas e Energia. Ele fez carreira na Vale. Outro ex-executivo da Vale em cargo influente no ministério é Eduardo Ledsham, presidente do Serviço Geológico do Brasil.
Os dois executivos foram nomeados para os cargos pelo atual ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, com chancela do Palácio do Planalto. O ministro é filho do senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), que se aproximou da Vale quando integrou, em novembro de 2015, comissão no Senado para investigar o rompimento da barreira de rejeitos de Mariana, em Minas Gerais.
O ministro Eliseu Padilha, da Casa Civil, acompanhou de perto a elaboração da proposta de extinção da Renca. A princípio, se cogitou fazer a abertura da reserva por meio de um projeto da bancada da mineração no Congresso. Depois, se avaliou que um decreto presidencial seria a opção mais rápida.
O ministro de Meio Ambiente, José Sarney Filho, não apresentou resistência à proposta. O único setor que demonstrou posição contrária foi o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pasta comandada por militares. O GSI também se posiciona contrário ao projeto do Senado 398, que libera a exploração mineral em áreas de fronteira, uma antiga demanda da Vale. O senador Fernando Bezerra Coelho é o relator atual.
Na Casa, Bezerra Coelho contou com o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) na articulação política para extinguir a Renca. Foi a partir daí que a Casa Civil chancelou a proposta e abriu caminho para o polêmico decreto do presidente Michel Temer de extinção da Renca. Três representantes atuantes da bancada da mineração na Câmara e no Senado disseram que o decreto da Renca foi uma negociação exclusiva do grupo de Bezerra Coelho.
‘É mentira’
Os senadores Fernando Bezerra Coelho e Davi Alcolumbre negam participação no lobby para extinguir a reserva. “O senador Fernando Bezerra Coelho afirma, com veemência e indignação, que isto é uma mentira, um absurdo, um crime”, afirmou a assessoria de Coelho. Antes do governo Temer recuar, Alcolumbre disse à reportagem que o motivo da conversa com o colega foi para discutir a saída de parlamentares do PSB para o DEM. E defendeu o decreto. “A gente já dá para o mundo a nossa contribuição, preservando 74% da floresta”, disse o senador, referindo-se à vegetação preservada no Amapá. “É preciso compatibilizar.”
A Vale, por meio de sua assessoria, disse que não comenta informações sobre o processo de articulação política de extinção do decreto da Renca. A empresa ressaltou que até 1984 era estatal e não comentou pedidos posteriores para mineração.
A Casa Civil afirmou que o decreto era de “competência do Ministério de Minas e Energia”, que não se pronunciou. O mesmo ocorreu com o ministro José Sarney Filho (Ambiente).