O tipo de maconha no Uruguai, com o qual pretende-se abastecer apenas cidadãos registrados, está chegando ao terreno proibido do narcotráfico e do turismo. O governo reagiu aos primeiros sinais de que a legislação idealizada para minar o mercado negro e coibir o crime está sendo burlada. Há operações em hotéis de regiões turísticas como Punta del Este e investigação científica sobre a composição da erva apreendida.
Das 2 toneladas da droga recolhida pela polícia durante 2017 e em janeiro, 17 quilos eram da flor da planta, que concentra os princípios psicoativos. Ela é mais pura que o chamado “prensado paraguaio”, que contém pedaços de folhas e ramos, o principal produto do narcotráfico. Destes 17 quilos de erva de alta qualidade, 5 foram encontrados em bocas de fumo. Entre 2012 e 2016, não houve registro de apreensão de flores de maconha no circuito do narcotráfico.
“Estamos fazendo investigação caso a caso, mas não se verifica uma tendência sustentável de tráfico da flor da maconha. Temos formas muito precisas de rastrear a origem e posso assegurar que não é maconha produzida pelo Estado para a venda em farmácias”, disse Diego Olivera, secretário geral da Junta Nacional de Drogas.
Ainda que o volume seja pequeno, o governo aumentou a repressão ao chamado “mercado cinza”, o dos cultivadores autorizados que desviam parte da produção para venda a quem não é registrado.
Um dos focos de fiscalização é sobre hotéis em Punta del Este, onde, segundo um turista brasileiro que comprou a droga no mercado negro no mês passado, um grama de erva de primeira qualidade vale R$ 50. Esse mesmo turista compra em São Paulo a droga de nível equivalente por R$ 80 o grama.
Albergues de Maldonado (departamento em que está Punta del Este) e Rocha são alvo de inspetores cuja missão é determinar se o cultivo permitido está abastecendo turistas. A polícia também apertou o controle sobre os clubes canábicos, onde os sócios têm autorização para comprar a droga. A multa para clubes que desrespeitem o registro é de até US$ 67 mil.
O Uruguai permite o consumo de drogas desde a década de 70, mas a falta de regulamentação sobre o que era uso pessoal levava a processos por até 10 gramas.
No fim de 2013, o Parlamento aprovou a lei que fixou três vias excludentes entre si para a aquisição da erva. Todos os uruguaios ou residentes legais podem adquirir até 40 gramas por mês em farmácias, pertencer a um clube de consumidores com 15 a 45 integrantes ou cultivar em casa até 6 pés. Essa implementação por etapas da lei estimulou o “mercado cinza”. Em Montevidéu, um grama pode ser comprado por R$ 17 de um revendedor.
“Atacamos esse mercado cinza com o controle, a fiscalização e eventuais sanções. Mas também precisamos expandir o mercado legal. Se o fortalecermos, serão menores os incentivos à compra no mercado ilícito. Já a situação do turista é diferente. Ele não pode comprar e precisa de uma outra abordagem”, avalia Olivera.
De acordo com Laura Blanco, representante dos clubes canábicos no governo, o acesso aos turistas deveria ser liberado de alguma forma. “Em 2012, argumentei contra o fechamento total aos turistas. O turismo da maconha já existia muito antes da lei. O fato é que a lei argentina e a brasileira inibem o consumo. Então, os vizinhos sentem aqui uma liberdade que não têm em seu país. Seria viável que com um passaporte se pudesse comprar alguns gramas nas farmácias. Temos que pensar em proteger o turista, que consegue tudo em qualquer lugar do mundo.”
Há hoje mais de 8 mil cultivadores registrados e 78 clubes. A venda em farmácia, via que contempla a maior quantidade de consumidores, foi iniciada no meio do ano passado. Das mil farmácias no país, 16 aderiram ao plano inicial. Quando o sistema financeiro começou a fechar algumas contas bancárias, alegando pressão internacional, quatro delas desistiram.
Em 2015, duas empresas obtiveram licença para produzir maconha com fim recreativo para venda em farmácia. O governo exigiu certas medidas de segurança e permitiu só duas variedades por empresa, com níveis de THC, o componente psicoativo da droga, menores que 5%. Isso permite rastrear o produto.
A produção está longe de poder abastecer os mais de 21 mil consumidores registrados. No ano passado as empresas colheram 600 quilos, quando o limite é de duas toneladas para cada uma. “O primeiro objetivo é chegar à produção máxima. Poderá ser feita uma nova licitação, ainda este ano, mas não há uma decisão institucional.”
Além de seis fiscais especializados, o governo usa a Brigada Antinarcóticos e unidades do Ministério do Interior para fiscalizar os cultivos. No ano passado, foram 280 revistas em clubes canábicos e 700 visitas a cultivos domésticos.