Ela sabia qual era o tipo sanguíneo, o tipo físico, os hábitos e o modo como aquele serial killer, então apelidado Golden State Killer, respirava.
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Sabia de suas tendências bizarras, suas falhas de anatomia e de detalhes precisos sobre as dezenas de estupros e os 12 assassinatos que a polícia acredita que ele cometeu.
Depois de encontrar o rastro da trilha de crimes que ele deixou pela Califórnia durante anos, ela parecia saber como tudo terminaria. Mas Michelle McNamara não viveu para ver o dia em que o suspeito foi preso.
A escritora morreu em 2016 e escreveu um livro sobre o caso que agora fascina os EUA e o mundo, com a prisão do ex-policial Joseph James DeAngelo, de 72 anos. O ex-policial é acusado por dois assassinatos de um caso sem solução há anos.
Michelle é autora de “I’ll Be Gone In The Dark – One Woman’s Obsessive Search For The Golden State Killer” (‘Eu terei sumido na escuridão’, na versão brasileira), um best-seller nos EUA, publicado postumamente.
A obra é o resultado dos anos de pesquisa meticulosa da escritora e ajudou a dar ao caso visibilidade nacional. Ela foi a responsável por cunhar o apelido pelo qual o assassino é conhecido hoje e desconsiderou todos os outros nomes dados ao suspeito pela polícia nas muitas jurisdições onde ele cometeu crimes.
Michelle o chamou de Golden State Killer (Assassino do Estado Dourado, uma referência ao Estado da Califórnia). As autoridades, no entanto, minimizam o papel do livro da autora na captura do suspeito.
“Esta é uma pergunta que recebemos do mundo todo nas últimas 24 horas e a resposta é ‘não'”, disse o xerife do condado de Sacramento, Scott Jones.
O reconhecimento do trabalho de Michelle pelas autoridades se limita ao interesse gerado pelo caso quando o livro foi publicado.
Segundo o xerife, as atenções deram certa urgência à investigação, já antiga, e também mais recursos. “Isso manteve o interesse, mas além disso, não houve informações extraídas daquele livro que levaram diretamente à prisão”, afirmou.
Parentes, amigos e fãs de Michelle acreditam que ela merece mais crédito pela prisão do serial killer. “Eu vou tentar não ficar com raiva, mas eles estão tomando todo o crédito”, disse o marido da escritora, o comediante Patton Oswalt.
Desde a prisão de DeAngelo, ele tem dado entrevistas e postado no Twitter sobre o tema. Segundo ele, sua mulher não se importava com a fama.
“Ela se importava com o fato de Golden State Killer estar atrás das grades e de as vítimas terem algum alívio”, disse. Oswalt ainda afirmou não acreditar que a polícia esteja inclinada a creditar os escritores e jornalistas que ajudaram no caso.
Interesse no serial killer
O fascínio de Michelle por histórias de crimes reais começou com um assassinato não resolvido que aconteceu perto da casa onde morava com sua família em Oak Park, no Estado de Illinois, quando tinha apenas 14 anos.
Quando se mudou para Los Angeles, ela trabalhou para um detetive particular antes de escrever para a televisão, contou sua amiga de longa data, Sarah Stanard.
Mas seu interesse por crimes reais continuou e ela voltou a se concentrar nisso em 2006, quando começou um blog para analisar casos não resolvidos. “Ela era uma pessoa obstinada. Tinha um cérebro diferente”, relembrou Sarah.
Um dos casos examinados por Michelle foi o do East Area Rapist, ou Estuprador da Área Leste, que cometeu crimes em Sacramento. Ela também analisou o caso do Original Night Stalker, ou o Perseguidor da Noite Original.
Os crimes de ambos os casos foram cometidos pelo mesmo homem, o Golden State Killer. O assassino deixou uma trilha de cenas de crime e vítimas por toda a Califórnia. Invadia casas, estuprava mulheres em frente a seus parentes, matava casais em seus lares.
Armado, ele por vezes amarrava o homem e empilhava pratos em suas costas. Depois, estuprava a mulher enquanto ameaçava matar os dois caso os pratos caíssem no chão.
DeAngelo levava lembranças dos ataques, principalmente joias e moedas. As idades de suas vítimas variavam de 13 a 41 anos. Sua meticulosidade o ajudou a fugir por décadas.
“Para se concentrar em uma vítima, ele frequentemente entrava na casa antes, quando ninguém estava lá, aprendendo o layout, estudando fotos de família e memorizando nomes”, escreveu Michelle.
“Vítimas recebiam ligações telefônicas antes ou depois de serem atacadas. Ele desabilitava as luzes da varanda e abria as janelas. Esvaziava as armas. Escondia cadarços ou cordas sob almofadas para usar como ataduras. Essas manobras lhe deram uma vantagem crucial”.
Ela explicou no livro que, quando as vítimas eram acordadas com uma luz forte de lanterna no rosto, não conheciam a pessoa mascarada que estava em suas casas, mas a pessoa mascarada já conhecia as vítimas.
Obsessão
O caso se tornou uma fixação para ela. A autora se juntou a outros detetives amadores em fóruns online, conheceu vítimas que haviam sobrevivido, estudou arquivos produzidos havia décadas, relatórios de autópsias, mapas e fotos.
“Estou obcecada. Não é saudável”, postou em seu blog, em 2011. Ela escreveu um longo texto sobre o caso e sua obsessão para a revista Los Angeles, em 2013, o que levou a um contrato com a editora Harper Collins.
“Ao escrever o livro, ela começou a recrutar detetives aposentados e policiais de todas as diferentes jurisdições, distritos e cidades”, disse Oswalt, em entrevista em 2017.
“Sua pesquisa era tão meticulosa e completa que eles falariam entre si e diriam ‘Fale com a Michelle, ela sabe. Ela quer colocar algemas nesse cara'”, contou.
O trabalho árduo, no entanto, começou a cobrar seu preço. Michelle costumava trabalhar à noite, depois que sua filha e marido já estivessem dormindo. Por isso, começou a desenvolver ansiedade e problemas de sono.
Oswalt falou sobre o pânico que o caso criou na mulher e contou que ela chegou a confundi-lo com um intruso e lhe bateu com uma lâmpada.
“Acho que isso a fez tomar Xanax. Eu sei que ela estava tomando Adderall de manhã, para acordar, e tomou alguns antes de morrer. Nos três dias antes de morrer, ela não dormiu de verdade, porque estavam saindo muitas notícias sobre o caso”, relembrou Oswalt.
“Não vou ser negligente e dizer que foi isso a causa da morte. As causas foram um monte de coisas, mas isso certamente manteve a porta aberta para outras causas”, afirmou o comediante.
Michelle morreu durante o sono. Segundo informou o apresentador Terry Gross, ela tinha um problema cardíaco não-diagnosticado que, junto com Xanax, Adderall e fentanil, a levou à morte no dia 21 de abril de 2016.
Oswalt administrou a conclusão do livro, com a ajuda de um jornalista, Billy Jensen, e um pesquisador, Paul Haynes. O best-seller tem sido aclamado por críticos, leitores e escritores como Stephen King e Gillian Flynn.
Joseph DeAngelo foi capturado no mesmo dia e horário em que todos os colaboradores do livro se juntaram pela primeira vez.
“Na noite em que todos os colaboradores de Michelle estavam juntos pela primeira vez, na cidade natal de Michelle, com a família de Michelle, o monstro que nós procurávamos foi levado sob custódia”, disse Haynes. “Eu sou um homem racional, mas não posso deixar de sentir que isso transcende a coincidência”.
Pelas redes sociais, muitos dos amigos e fãs de Michelle têm compartilhado uma passagem do livro, dizendo que a autora previu a prisão do suspeito.
“Um dia em breve, você ouvirá um carro estacionar na sua calçada, o motor desligar. Você ouvirá passos subindo a calçada da frente. A campainha tocará. Nenhum portão lateral está aberto. Você não pode mais pular sobre a cerca. Respire profundamente e engula. Aperte os dentes. Mova-se timidamente na direção da campainha insistente. É assim que termina para você”.