Você lembra o que comeu no café da manhã exatamente um mês atrás? Provavelmente não. Mas se você fizer essa pergunta a Bob Petrella, ele saberá responder o que ele comeu, as conversas que teve e como estava o tempo naquele dia. Embora a maioria de nós apenas se lembre de coisas recentes ou importantes do nosso passado, algumas poucas pessoas se lembram de cada dia como se fosse ontem.
Dois novos estudos tentam estabelecer o que está na base desse poder extraordinário de recordação. Os resultados poderiam, eventualmente, ajudar pessoas com ansiedade e depressão e também nos ajudar a lembrar do nosso passado um pouco mais facilmente.
Em 2000, James McGaugh, um neurobiologista da Universidade da Califórnia, recebeu um e-mail de uma mulher chamada Jill Price, pedindo sua ajuda.
“Desde meus onze anos, tenho a incrível capacidade de lembrar do meu passado… eu posso te dar uma data entre 1974 e hoje, e dizer qual dia era, o que eu estava fazendo naquele dia e se alguma coisa de grande importância aconteceu”, escreveu Jill Price no e-mail.
James McGaugh se encontrou com Jill Price e testou sua memória de dias específicos do ano. Ela se lembrava de todos os eventos importantes que aconteceram, assim como detalhes minuciosos sobre seu passado – detalhes estes que foram verificados usando seus diários pessoais. Hoje, McGaugh sabe que existem cerca de 50 pessoas com essa capacidade, que ele é chamada de HSAM (Highly Superior Autobiographical Memory – ou Memória Autobiográfica Altamente Superior).
McGaugh e seus colegas realizaram uma bateria de testes em 20 pessoas com HSAM, para ver se os processos cognitivos poderiam ser fundamentais para a memória superior. Os testes examinaram elementos como fluência verbal, capacidade de memorizar padrões e capacidade de lembrar de rostos e coisas.
Surpreendentemente, os resultados sugeriram que não havia nenhuma habilidade especial para sustentar a HSAM. Pessoas com HSAM foram apenas ligeiramente melhores do que outras pessoas com a mesma idade em alguns testes.
Verificação de Consistência
Em um segundo estudo, a equipe pediu que 30 pessoas com HSAM se lembrassem de acontecimentos que ocorreram todos os dias da semana anterior, e também acontecimentos de uma semana, 1 mês, 1 ano e 10 anos antes. A qualidade e a quantidade de suas memórias foram comparadas com as de pessoas sem HSAM. Um mês depois, elas participaram de uma avaliação surpresa das mesmas datas, permitindo aos pesquisadores verificar a consistência de suas memórias.
A equipe descobriu que pessoas com e sem HSAM tem recordação comparáveis de eventos da semana anterior. Mas aquelas com HSAM tinham uma memória muito superior de mais dias passados. Os resultados sugerem que pessoas com HSAM não são melhores na aquisição de memórias, não são aprendizes superiores, mas são simplesmente melhores em retenção de memórias.
McGaugh e sua equipe acreditam que esses poderes extraordinários de memória podem estar enraizados na repetição habitual de seu passado. Pessoas com HSAM muitas vezes mostram comportamentos obsessivos, semelhante às pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Bob Petrella, por exemplo, confessou ser “germofóbico” e tem que limpar as chaves do carro se elas tocarem o chão. Jill Price era obsessiva em manter seus diários detalhados.
Em 2012, um estudo com 11 pessoas que possuíam HSAM, mostrou diferenças estruturais entre elas e outras da mesma idade em nove regiões do cérebro, incluindo núcleo e putâmen dilatados, áreas também implicadas ao TOC.
HSAM: Super Memória
A equipe não acredita que pessoas com HSAM tentam memorizar o passado ativamente. Alcançar esse nível de recordação provavelmente envolve estratégias mnemônicas, tais como aquelas usados por campeões profissionais de memória, para não mencionar uma dedicação considerável. No entanto, ao invés disso, as pessoas com HSAM pode acidentalmente reforçar suas memórias, habitualmente recordando e refletindo sobre elas. Isso poderia ser uma forma única de TOC, diz McGaugh.
“A ideia do TOC se encaixa”, diz Tracy Alloway da Universidade de Jacksonville, no Norte da Florida. Segundo ela, as vias neurais que usamos para recordar memórias são como caminhos no jardim: se não o mantermos organizados periodicamente, as folhas começam a cobrir e bloquear o caminho.
Se você tem o habito de recordar memórias, logo você está mantendo o caminho limpo, assim é mais provável que você seja capaz de recuperar informações mais rápido em uma data posterior.
James McGaugh afirma que é como uma história de detetive. “Nós temos todas as pistas, mas ainda não podemos dizer que as pessoas com HSAM têm essa capacidade devido a isto ou aquilo. Quando desvendarmos isso, poderão haver aplicações para melhorar a memória em outras pessoas”, diz.
Uma recordação ruim pode contribuir para a ansiedade e depressão, sendo assim, uma compreensão de como melhorar a memória pode eventualmente piorar a sua qualidade de vida. Mas, por agora, McGaugh diz que sua única missão é entender o que está acontecendo nesta máquina maravilhosa que chamamos o cérebro.
Como é ter uma memória perfeita?
Bob Petrella tem o que é chamado de HSAM. Ele descreve como se sentia ao se lembrar de quase todos os dias de sua vida como se fosse ontem.
Quando eu lembro do meu passado, é como assistir a um filme em casa. Eu me sinto exatamente como eu me sentia naquela dia. Eu até sinto o clima, se estava calor e coisas do tipo. Vou me lembrar se até do que eu estava vestindo no dia. Todos os meus sentidos são acionados. Me lembro com quem eu estava, o que estava pensando, minha atitude, tudo é agitado em minha imaginação.
Notei isso pela primeira vez quando eu estava no colégio. Gostava de conversar com meus amigos sobre coisas acontecidas quando éramos crianças. Foi em uma sexta-feira do dia 4 de fevereiro que eu comecei a perceber que minha memória era um pouco diferente.
As pessoas não entendem isso. Eles pensam que você tem uma memória fotográfica; elas ficam de chamando de Rain Man. Mas eu não tenho autismo, ou uso truques mentais. Eu não tenho uma grande memória para outra coisa senão o meu passado.
Eu lembro de coisas ruins, assim como coisas boas. Mas uma das vantagens de lembrar de seus erros é que você pode aprender com eles mais facilmente do que outras coisas. Ser capaz de sentir como você se sentia ao cometer um erro anteriormente, permite que você pense: ‘Tá bom… eu não vou fazer isso de novo’. Na maioria das vezes os dias ruins não são realmente tão ruins, então eu não fico focando nisso, eu gosto de estar no presente.
Uma das melhores coisas da capacidade de me lembrar bem do meu passado, é ser capaz de pensar sobre o tempo que passei com pessoas que amo. Eu posso voltar a qualquer momento da minha vida em que eu estava com alguém e lembrar como se fosse ontem. Então, se essas pessoas não estão comigo, é como se eu ainda pudesse passar um tempo com elas.
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