O Rio de Janeiro terá que passar por obras emergenciais de contenção do calçadão da Praia da Macumba, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste da capital fluminense, que continua afundando. O desmoronamento provocado pela força das ondas começou há cerca de 30 dias e já atingiu 600 metros da orla. Devido ao avanço do mar, a erosão e destruição das estruturas costeiras têm se repetido em diferentes regiões do Brasil. Segundo especialistas, isso evidencia problemas estruturais e a falta de preparo do poder público para lidar com a ação natural.
De acordo com a Defesa Civil do Rio, não há risco imediato a prédios e casas da região, mas parte da ciclovia, quiosques e coqueiros já se perderam.
O problema é antigo e conhecido. Em 2000, um relatório do Coordenação de Programas de Pós-graduação e Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Coppe, já alertava para os riscos e sugeria alterações.
Nada foi feito. Em 2005, uma obra de ampliação do calçadão e de construção da ciclovia também não levou em conta os alertas. Agora, a prefeitura tentará reverter o desmoronamento.
“Trabalhamos durante todo o feriado, viramos madrugada, refizemos o projeto e hoje estamos iniciando as obras em caráter emergencial, extremamente necessárias para finalmente conter a erosão”, disse o secretário municipal de Conservação e Meio Ambiente, Jorge Felippe Neto, que assumiu o cargo há uma semana. A obra foi orçada em R$ 14,5 milhões, informou a secretaria por nota, com contratação de empresa em caráter emergencial.
Especialista em engenharia costeira da Coppe e um dos responsáveis pelo diagnóstico feito na região há 17 anos, Paulo Rosman afirmou que as obras na orla foram feitas sobre a chamada zona dinâmica da praia. Trata-se da faixa de areia que desaparece quando há ressaca, normalmente no outono e no inverno, e ressurge na primavera e no verão.
Rosman explicou que, durante décadas, o canal foi drenado e a areia retirada do local, levada para outros lugares em vez de ser devolvida à praia. “Isso reduziu o estoque de areia da praia, aproximando ainda mais o litoral da rua.”
Guarujá
Também era esperado, mas não deixou de ser um susto. Dias antes, o pedreiro Rumildo Ângelo Messias, de 70 anos, já havia retirado os guarda-sóis e as cadeiras de praia do quartinho temendo o que aconteceu há cerca de dois meses: o cômodo ruiu. Telhado, duas paredes e parte do piso foram derrubados com a força do mar, bem como parte de um barranco de areia, que deixou em evidência as raízes da vegetação. Parte do acesso da rua para a praia também foi danificada.
O pedreiro morou a vida toda no mesmo terreno em frente à Praia do Tombo, no Guarujá, litoral sul de São Paulo, que reúne três casas, uma das quais a atingida pela ressaca, embora estivesse desabitada. Segundo ele a faixa de areia costumava se estender por mais de 20 metros, permitindo a circulação de banhistas e dele próprio, que vendia lanches na praia até a última ressaca tomar a região. Ontem, o espaço da areia estava tão restrito, que reunia apenas surfistas. “É a força da natureza cobrando a conta”, diz.
Também no Guarujá, a Praia do Góes enfrenta mudanças. Morador da região desde 1969, o aposentado Valter Novas, de 67 anos, lembra que o mar costumava ficar mais distante há 30 anos. “Aqui era muito diferente, só tinha pescador, o pessoal andava de canoa, as caiçaras cortavam lenha em uma área que foi tomada pela água”, conta.
No caso da Praia do Góes, o principal motivo apontado por moradores, ambientalistas pela prefeitura do Guarujá é a dragagem do Porto de Santos. “A situação está descontrolada, fora do balanço natural”, comenta o oceanógrafo Fabrício Gandini, diretor do Instituto Maramar, uma organização da sociedade civil.
Para o secretário do Meio Ambiente do município, Sidnei Aranha, falta transparência da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) sobre os impactos das atividades do porto. A Companhia Docas não respondeu aos questionamentos da reportagem na noite desta terça-feira, 17.
No caso da Praia do Tombo, a prefeitura do Guarujá afirmou estar firmando uma parceria com universidades da região para identificar se o fenômeno é efeito da erosão.
Nordeste
Esses efeitos abrangem todo o País, segundo o professor da Universidade Federal do Espírito Santo Dieter Muehe. Organizador de livro sobre o tema, ele estima que mais da metade do litoral do Norte e do Nordeste sofre erosão, chegando a um avanço do mar de cinco metros por ano em determinadas praias, número que seria de 20% na região Sudeste.
A situação preocupa no Rio Grande do Norte, onde o avanço do mar tem causado estragos e ameaçado vilas de pescadores em 60% das praias, segundo a Universidade Federal potiguar.
O litoral do Estado tem 440 quilômetros. As praias de Muriú, Touros, São Miguel do Gostoso, Graçandu e Caiçara do Norte, na parte norte, estão entre as mais atingidas pela erosão costeira. Nelas, moradores travam duelos contra a força do mar construindo muros de pedras e concreto cada vez mais largos e altos, para manter as casas de pé. Em Caiçara do Norte, por exemplo, o mercado público e três ruas da região central do antigo vilarejo de pescadores foi destruído pela força das ondas ao longo de 50 anos.
Recife e Olinda, em Pernambuco, tentam barrar o avanço do mar com uma linha de pedras no litoral. A realidade é que agora a erosão marinha se transferiu para praias mais ao norte do Estado.