Em agosto de 2012, o Curiosity pousava em Marte, tornando-se o maior e mais sofisticado veículo espacial a ser enviado com sucesso a outro planeta. Os radares que permitiram o pouso – um momento crítico da missão – foram projetados por uma equipe liderada pelo físico brasileiro Ivair Gontijo, pesquisador do Jet Propulsion Laboratory (JPL), da agência espacial americana (Nasa).
Em seu novo livro A Caminho de Marte, que acaba de ser lançado, Gontijo conta não apenas os detalhes da aventura que envolveu o projeto, o lançamento e o pouso histórico do Curiosity, mas também sua singular trajetória pessoal.
Criado na pequena cidade de Moema, às margens do Rio São Francisco, no interior de Minas Gerais, Gontijo decidiu trocar seu emprego em uma fazenda pelo curso de Física na Universidade Federal de Minas Gerais, deixando seus familiares incrédulos. Era só o começo: antes de chegar à Nasa, ele ainda fez doutorado e pós-doutorados na Escócia e nos Estados Unidos.
“O objetivo do livro é mostrar para os estudantes e para os brasileiros em geral que conseguir algo como trabalhar na Nasa está ao alcance da maioria das pessoas que está disposta a pagar o preço: um preço alto em horas de trabalho e estudo, em foco e planejamento”, disse Gontijo.
O autor intercala a narrativa de sua própria trajetória com a história de estudos sobre Marte, que segundo ele tem apaixonado a humanidade há 25 séculos. “Nós cientistas precisamos tornar a ciência mais acessível, mais emocionante para a população, porque nenhum país vai para frente sem muita ciência e tecnologia. Eu procuro mostrar que a ciência pode ser tão emocionante como um gol em final de Copa do Mundo”, afirmou.
Conseguir um emprego na Nasa, segundo Gontijo, foi extremamente difícil. Além da formação sólida e dos anos de estudo intenso, foi preciso se armar de uma insistência “astronômica”.
“Não foi na primeira vez que bati na porta da Nasa que consegui entrar. Na primeira vez, fiz uma entrevista, me ofereceram um emprego temporário e eu achei que não valia à pena. Depois, tive um contato com o gerente de uma das missões, que avisou que precisavam de alguém com meu perfil. Me deu os e-mails de 12 pessoas do laboratório e ninguém nunca respondeu. Eu não desisti”, conta.
“Um dia um engenheiro do JPL me ligou, dizendo que encontrou meu currículo no site de uma conferência e que precisavam de uma pessoa exatamente com minha formação. Fiz uma entrevista, mas não deu certo. Foi preciso esperar mais um ano. Conto todos os detalhes no livro”, disse o físico.
Missão em Marte
Segundo Gontijo, o Curiosity é o veículo mais sofisticado que já foi construído e enviado a outro planeta. A tarefa era dificultada pelo tamanho do veículo. Semelhante a um carro compacto, o Curiosity pesaria 900 quilos na Terra e possui um mastro de dois metros de altura.
“A missão anterior envolvia um veículo muito menor, em torno de 200 quilos. A tecnologia toda para viabilizar o pouso do Curiosity em Marte não existia antes, tivemos de reinventá-la. A tecnologia que utilizamos nas missões anteriores, com airbags, não funcionaria nessa circunstância. Tínhamos de fazer o veículo descer em suas rodas”, explicou.
Segundo o cientista, o trabalho em uma missão dessas dimensões é exigente e tenso: nos momentos críticos, como lançamento e pouso, basta uma falha entre milhares possíveis para se perderem anos de trabalho e bilhões de dólares.
“O processo de descida em Marte ficou conhecido como ‘os sete minutos de terror’, porque o veículo estava se aproximando do planeta a 28 mil quilômetros por hora, em rota de colisão e em queda livre. Essa velocidade precisava ser reduzida a zero em apenas sete minutos”, contou.
Antes da descida, a cápsula que continha o Curiosity perde a energia na atmosfera marciana, usando um escudo frontal de calor. “Depois um paraquedas é utilizado para reduzir ainda mais a velocidade. Na descida final, nos últimos quatro ou seis quilômetros, usamos retrofoguetes”, explica.
Com o voo controlado pelos retrofoguetes, o veículo é colocado no chão com um guindaste, que em seguida se afasta para não causar danos ao equipamento.
“Correu tudo melhor do que esperávamos. Quando vi meu colega na sala de controle dizendo ‘nós achamos o solo com o radar’, realmente acreditei que aquilo daria certo. Em seguida, lembro das comemorações na sala de controle, com muitos gritos e lágrimas. Foi espetacular”, lembra.
Se os radares de Gontijo não funcionassem, o Curiosity se espatifaria na superfície marciana e tudo estaria perdido. “Os colegas diziam que se os radares não funcionassem, todo o resto seria irrelevante, porque o veículo viraria um monte de ferro velho na superfície de Marte. O projeto custou US$ 2,5 bilhões. Então a tensão era grande.”
De acordo com Gontijo, a missão do Curiosity já terminou oficialmente, mas o veículo continua fazendo pesquisas na superfície marciana, onde percorreu pouco mais de 18 quilômetros. “Já encontramos o leito seco de um rio, o fundo de um lago, rochas sedimentares e locais onde havia água com pH neutro, que uma pessoa poderia beber.”
Os operadores da Nasa recebem dados do Curiosity diariamente, até hoje. Após a recepção, os dados científicos são discutidos, as fotos são analisadas e os engenheiros, técnicos e cientistas decidem o que fazer no dia seguinte.
“Os comandos são programados e enviados a Marte todos os dias, para um satélite que está na órbita do planeta. O satélite repassa os dados ao veículo no solo, ele executa esses comandos, coleta dados e, na tarde marciana, transmite novos dados para a direção do céu marciano onde passará o satélite, que os reenvia à Terra”, explicou.
Futuro
Atualmente, Gontijo está trabalhando na próxima missão para Marte – a Mars 2020 -, que enviará ao planeta vermelho um veículo semelhante ao Curiosity. “Esse novo veículo terá um conjunto diferente de instrumentos e descerá em um local distinto. A ideia é que ele seja um coletor de amostras”, disse o cientista.
As amostras coletadas pelo veículo da Mars 2020 serão colocadas roboticamente em tubos, que serão selados hermeticamente e deixados na superfície do planeta. Uma segunda missão será enviada para coletar as amostras, que serão colocadas em um pequeno foguete e enviadas à órbita de Marte.
“Ali, as amostras vão ficar girando em torno de Marte. Uma terceira missão – a mais simples e mais barata – sairá então da Terra, encontrará as amostras na órbita de Marte e trará tudo de volta à Terra. Isso é necessário porque temos na Terra laboratórios muito sofisticados para analisar as amostras, que chegam a ocupar um prédio inteiro – e nenhum instrumento que possa ser enviado atualmente a Marte teria a mesma capacidade de análise.”
Um dos objetivos da exploração de Marte, segundo Gontijo, é encontrar vestígios de vida no planeta. Para os cientistas, mesmo que fosse um vestígio fóssil de uma forma muito primitiva de vida, como uma bactéria, totalmente extinta, já seria uma descoberta histórica sem igual.
“Seria talvez uma das maiores descobertas da espécie humana. Todos os seres vivos da Terra têm a mesma origem e todos – dos vírus aos seres humanos – usamos o mesmo processo, que é a codificação em DNA. Se a vida se formar em outro planeta, será que ela usaria o mesmo processo? Não sabemos. Se um dia descobrirmos vida fora da Terra, essa será a primeira coisa a ser estudada: como são os processos que formam a vida em outro planeta? Seria um descoberta espetacular.”