Se dependesse da vontade dos serviços secretos da União Soviética, a história brasileira poderia ter sido muito diferente. O motivo é que eles chegaram a considerar a possibilidade de causar uma guerra civil no Brasil em 1961, pouco antes do início da ditadura militar no país.
Essa história foi publicada no livro 1964 – O Elo Perdido, escrito por Mauro Kraenski (com parceria do tcheco Vladimír Petrilák) e publicado no início deste ano. A obra investiga, na realidade, alguns arquivos do serviço de inteligência da Tchecoslováquia, quer era conhecida pela sigla StB e respondia à KGB. Eram eles os responsáveis por atuar na América Latina na época da Guerra Fria, a mando dos soviéticos.
Tudo começou após Kraenski, que trabalhava como guia no Museu de Auschwitz-Bikernau, se interessar pela história da Polônia, onde fica localizado o antigo campo de concentração. Ao notar algumas informações equivocadas dos soviéticos nos arquivos poloneses, decidiu investigar se havia algo sobre o Brasil. E acabou encontrando documentos sobre nosso país no vizinho, a República Tcheca.
Foi aí se que aliou ao tradutor Vladimír Petrilák para descobrir o que estava escrito. E acabou descobrindo muitas coisas reveladoras.
Como funcionava o esquema
Com as traduções em mãos, Kraenski descobriu que a StB continha cerca de 30 agentes e 100 “figurantes” (possíveis agentes que contribuíam para o serviço sem saber) que atuaram no Brasil entre 1952 e 1971.
“O serviço de inteligência tchecoslovaco determinava objetos ou alvos de interesse, com o objetivo de entrar, infiltrar ou penetrar operacionalmente através de sua rede de agentes para aquisição de informações ou materiais relacionados com determinadas tarefas”, afirmou Kraenski. Ainda segundo o autor do livro, alguns desses alvos eram o Itamaraty, o Governo Federal, a Câmara dos Deputados, a Petrobras e o exército brasileiro.
Como você já deve imaginar, o grande objetivo era conseguir recrutar brasileiros de perfil antiamericano, mas sem laços com o Partido Comunista Brasileiro. E algumas das operações secretas envolviam o envio de armas para o Brasil e a falsificação de documentos para envolver os Estados Unidos no golpe militar de 1964.
Mas a ideia mais audaciosa dos tchecoslovacos surgiu em 1961, como resposta a um possível golpe de estado, que acabou acontecendo três anos depois.
“O camarada ministro confirmou a operação ativa I-V de criptônimo LUTA, cujo objetivo é causar demonstrações e tumultos antiamericanos e — em caso de seus surgimentos — causar uma guerra civil no Brasil. Um dos objetivos desta operação ativa é fazer com que representantes nacionalistas tomem o poder no Brasil”, diz um dos documentos presentes no livro, datado de 23 de outubro de 1961.
Ainda de acordo com o documento, os tchecoslovacos chegaram a entrar em contato com o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, e ligas camponenses para dar início a essa operação. No entanto, essa operação teve fim em abril de 1962, após todos notarem a dificuldade em executá-la.
Como você já deve ter deduzido, as atividades dos agentes da StB sofreram um grande abalo depois do golpe militar de 1964, pois muitos contatos, como jornalistas, funcionários públicos e até políticos, tiveram de “sumir”. Já os chamados figurantes precisaram se refugiar em embaixadas de outros países ou perderam seus empregos no Brasil.
Com tantas baixas, o serviço secreto da Tchecoslováquia abandonou o país sete anos depois da tomada do poder pelos militares. Kraenski garante que ainda está analisando outros documentos secretos. Deve ser apenas o começo dessa história.