Nem a intimidade com os números ajuda Julia Jaccoud, de 24 anos, a traduzir o tamanho de sua plateia. Quando ela tenta imaginar 50 mil pessoas sentadas à frente, logo toma um susto. “É meio louco pensar. Prefiro não racionalizar”, diz, sobre a quantidade de inscritos em seu canal no YouTube. Uma cifra que pode parecer pequena se comparada com youtubers de games ou humor, mas que ganha outra dimensão quando ela explica o tema dos vídeos: a Matemática.
Ora azuis ora cor-de-rosa, os cabelos de Julia balançam na tela enquanto a jovem explica, sem cerimônias, a dança da troca de sinais em uma equação ou o que Pitágoras pensou quando criou seu famoso teorema. A ‘Matemaníaca’, como se identifica na internet, está mais interessada no caminho para chegar a uma resposta do que no resultado em si. Mas nem sempre foi assim.
“Na escola, vemos a Matemática como instrumento e somos ensinados a reproduzir algoritmos”, diz. Como ela se dava bem nas provas, foi incentivada a fazer carreira nas Exatas e nem questionou. “As pessoas falavam: ‘Você é boa em Matemática’; me colocaram nessa caixinha”, conta. “Tinha feito balé por dez anos, teatro por cinco, circo, sapateado, mas ninguém me incentivou a ir para a arte”.
Quando iniciou a graduação em Matemática na Universidade de São Paulo (USP), ficou chocada. Ali, descobriu que só havia aprendido no colégio uma fração mínima da disciplina. “As perguntas eram outras, mais profundas. Queriam saber por que aquela fórmula valia, quem provou e qual o raciocínio”, lembra. Surgiram as primeiras notas 2 e um desconforto. Começou a se mexer.
“Passei por um período de reaprender a estudar, a pesquisar em livros, ir atrás de amigos”. Não demorou para se encantar pela Matemática menos óbvia e pelos pequenos ‘truques’ numéricos. Com os colegas, tinha até um jeito diferente de combinar passeios. “Concordamos que toda terça-feira, se o dia fosse um número primo, a gente se encontraria para um almoço. Demonstramos que era muito improvável não ter um almoço no mês”.
E companhia era uma ótima notícia para ela, que fez da USP sua segunda casa. De São Bernardo, na Grande São Paulo, onde vivia, enfrentava 35 quilômetros até a Cidade Universitária, zona oeste da capital. Como não podia ir e voltar mais de uma vez, preenchia o dia com atividades extraclasse. Foi representante discente e fez até aulas de basquete.
Divulgação científica
Quando criou o canal no YouTube, há três anos, Julia queria uma forma de se comunicar com crianças e jovens que conhecia no estágio em sala de aula. Antes, fez uma pequena ‘pesquisa de mercado’.
“Ela me perguntou onde passava meu tempo livre. Comentei que era no YouTube”, lembra o ex-namorado Victor Redivo, de 24 anos, colega dela na USP e parceiro nos primeiros passos do canal. “A proposta não era fazer videoaulas, mas tentar mostrar o lado divertido da Matemática. Tentávamos fazer o mais bonito e agradável possível”.
A jovem só percebeu que fazia divulgação científica quando gravou vídeo em uma viagem à Escócia. Despretensiosamente, falou sobre flocos de neve, que criam desenhos em forma de fractais – um dos ramos de estudo na Matemática.
Para surpresa do casal, o conteúdo interessou – e hoje os vídeos atingem um público que quase não encontra esse tipo de assunto na web. “No Brasil, a divulgação da Matemática tende a zero”. Os vídeos são assistidos por outros estudantes da área e até pelos próprios professores, mas também por gente que nem é “matemaníaco”.
Letícia Madureira, de 18 anos, é uma das seguidoras. Embora prefira Química, se diz apaixonada pela Matemática – tanto que até chamou a youtuber para uma feira de ciências no colégio onde estudava, em Florianópolis. “Às vezes as pessoas têm resistência de ouvir uma abordagem mais livre. Mas percebi que grande parte dos colegas se inspirou muito”, diz Letícia, que hoje está no 1º ano de Química.
Entre os melhores
Recém-formada, Julia voltou a sentir o desconforto do desafio há pouco mais de uma semana, quando foi ao Congresso Internacional de Matemáticos (ICM) no Rio. Pintou os cabelos de rosa só para o evento porque sabia que voltaria diferente.
Entrevistou até Akshay Venkatesh, um dos ganhadores da Medalha Fields – o Nobel da Matemática – e fez a pergunta que ele considerou a melhor de todas. Queria saber a opinião do australiano sobre o zero, uma polêmica nesse campo da ciência. Mas ele preferiu sair pela tangente.
Das palestras do ICM, “entendia os três primeiros minutos”, ela diz, rindo. Mas voltou com o caderninho cheio de anotações, dúvidas e temas para mais vídeos. Já pensa em engatar um mestrado. “Matemática não tem idade, gênero, cor, classe social nem ambiente. Pode estar em qualquer lugar. Se discutimos Biologia, Política, História, por que não Matemática também?”