O Primeiro Comando da Capital (PCC) montou um setor de “recursos humanos”, responsável pela manutenção de um cadastro atualizado de seus integrantes, além de organizar cursos de fabricação de bombas e de formar um “time” de matadores profissionais. A facção criou outro setor para expandir a atuação em presídios femininos, um PCC Mulher.
Essas são algumas das revelações da denúncia da Operação Echelon. Ao todo, 70 homens e 5 mulheres foram acusados pelo crime de organização criminosa pelo Ministério Público Estadual.
Interceptações telefônicas e cartas apreendidas mostram que quase uma centena de assassinatos dentro e fora dos presídios foi cometida sob as ordens da cúpula da facção em 2017 em pelo menos 13 Estados – além de ataques contra policiais e agentes prisionais em cinco Estados. Tudo planejado a partir da Penitenciária 2 (P2) de Presidente Venceslau, na região oeste de São Paulo.
A denúncia da Operação Echelon tem 569 páginas e é assinada pelo promotor Lincoln Gakiya. Ela mostra que após Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, ser internado no regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em dezembro de 2016, uma cúpula interina passou a mandar no dia a dia da facção. Seus integrantes são os principais acusados na denúncia. Ao todo, são sete homens, dos quais dois se destacavam: Claudio Barbará da Silva, o Barbará, e o sequestrador Célio Marcelo da Silva, o Bin Laden.
Durante as investigações, o serviço de inteligência da Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) apreendeu seis grupos de cartas escritas pelos sete detentos. Elas haviam sido jogadas pelos presos no esgoto da P2, mas ficaram paradas em redes montadas pelos agentes. Depois de serem desinfetadas, foram remontadas e lidas pelos agentes. Por meio delas foi possível montar o organograma da chamada Sintonia Final dos Estados e Outros Países.
Esse setor ficou responsável por chefiar os 20,4 mil integrantes da facção em outros Estados – o grupo tem cerca de 10 mil membros em São Paulo, os chamados “irmãos”. Passou também durante 2017 a responder pela cúpula, cuidando da guerra contra facções rivais como o Comando Vermelho (CV) e a Família do Norte (FDN), além de planejar atentados contra prédios públicos e agentes do Estado.
Cadastro
Foi para manter o controle desse exército que a facção criou um novo setor. Segundo a denúncia, durante as interceptações telefônicas foi possível identificar essa nova célula da organização criminosa “denominada Cadastro (cujos integrantes são chamados de cadastreiros)”.
“Alguns participantes da facção telefonam aos outros e efetuam um recadastramento para atualizar informações. É cediço que, com frequência, os membros da facção modificam seu apelido identificador e função na organização (promoção, rebaixamento e exclusão da facção)”, afirma o Ministério Público.
No dia 9 de setembro, por exemplo, às 20h48, Renato Carvalho de Azevedo, o XRE, telefonou para um homem que exige seus dados para verificar sua identidade, em um procedimento parecido com o de instituições bancárias para confirmar a identidade de clientes que fazem operações por telefone. Renato é obrigado a fornecer seu nome, o número de sua matrícula no sistema prisional, seu primeiro apelido no mundo do crime (“Fuzil”) e sua “quebrada de origem”. Ele responde: Capão Redondo (zona sul de São Paulo). “Quebrada atual?”, indaga o responsável pelo cadastro. “Campo Grande, MS”.
Depois, o cadastreiro pede a data de batismo (entrada na facção) e o local do batismo. “Em 25/10/2015, em Lavínia III (penitenciária).” Por fim, questiona os dados de seu padrinho, o bandido que o apresentou para entrar na facção. Tudo é conferido do outro lado da linha. Por fim, o responsável pelo cadastro pergunta se Azevedo tem alguma dívida e qual a sua “responsa”.
A investigação mostra ainda que, em 18 de fevereiro de 2017, a cúpula mandou mensagem para outros Estados cobrando mais esforço para a “expansão da facção em unidades femininas”. Para a facção era importante fazer novos “batismos”, filiações de mulheres à organização, consolidando uma espécie de PCC Mulher, o setor feminino da facção criminosa paulista.
Bombas
Em outra mensagem apreendida, a inteligência da SAP encontrou um texto de um integrante da cúpula interina – Reginaldo do Nascimento, o Jatobá –, no qual o acusado cobrava dos demais Estados o envio das pessoas selecionadas para o curso de explosivos que a facção ia dar em São Paulo. A ideia era dar instrução aos integrantes da organização para a confecção de bombas que seriam usadas em futuros atentados contra prédios públicos. Os bandidos deveriam estar prontos para quando o comando desse a ordem para agir.
Em outro ponto, observa-se que a facção criou um setor para cometer assassinatos, a chamada Sintonia Restrita. Por meio das interceptações, foi descobriu-se a tática da organização. Para essa área, seriam selecionados só criminosos “responsáveis e disciplinados”. Eles devem formar um “time”.
De acordo com a denúncia, quem é do Estado onde o crime vai acontecer não deve participar da ação. Só bandidos de outros Estados – a equipe de fora enviada pela cúpula – é que deve ser responsável pelo cumprimento da ordem. O “time” vai receber do pessoal local os dados do “alvo”: rotina, endereço e veículo usado pela vítima.
Segundo a denúncia do Ministério Público, esse esquema serviria para proteger integrantes da facção da repressão das forças de segurança estaduais. Durante a investigação, verificou-se também que o PCC praticou atentados no Rio Grande do Norte, em Minas Gerais, em Santa Catarina, em Alagoas e no Paraná.
Tortura antes de matar
A denúncia da Operação Echelon também mostra que o Primeiro Comando da Capital (PCC) criou regras para matar rivais. Eles devem ser executados com vagar, sob tortura e com muita crueldade.
Interceptações telefônicas do Ministério Público Estadual relacionam mais de uma dezena dessas execuções. Em uma delas, a cúpula do PCC proíbe que a vítima – acusada de pertencer ao Comando Vermelho – seja morta a tiros. A ordem é matar “na faca” e tirar foto do morto.
Os integrantes de facções rivais são chamados pelo PCC de “lixo”. Há na denúncia relatos de execuções em Mato Grosso do Sul, em Minas, no Ceará, em Roraima, em São Paulo, no Paraná e no Rio Grande do Norte. A contabilidade dos assassinatos também era feita pela facção. Em 29 de outubro de 2017, um bandido anotou: “Estado Ceará, pá (morte) cinco lixos.”
A cúpula enviou armas aos integrantes nos Estados em onde havia guerra com grupos inimigos e planejou mandar reforços de São Paulo. Além dos Estados do Norte e Nordeste, onde o PCC busca dominar a rota do tráfico de drogas do Rio Solimões, na Amazônia, e o envio de drogas à Europa, o grupo investe para dominar o tráfico em Santa Catarina. Ali, o interesse é pelo Porto de Itajaí.
As interceptações também mostram a facção planejando a morte de agentes prisionais federais por ordem de Roberto Soriano, o Tiriça. Integrante da Sintonia Final, ele foi enviado à penitenciária federal de Catanduvas (PR) após se envolver com atentados em São Paulo. Em 2016, por achar que o sistema da prisão era muito rígido, determinou que um agente prisional – Alex Belarmino Almeida da Silva – fosse morto, o que aconteceu em 2 de setembro de 2016. A vítima foi atingida por mais de 20 disparos.
Ainda nos presídios federais, o PCC tentou usar um membro de uma pequena facção, a Cerol Fino, para matar dois “troféus”. Um deles era o preso José Márcio Felício, o Geleião, ex-membro da cúpula do PCC, e o outro era o detento José Roberto Barbosa, o Zé Roberto da Compensa, líder da Família do Norte (FDN). O plano falhou.
Estratégias
A revolta contra o que a facção chama de “opressão carcerária” está por trás não só dos atentados praticados pelo grupo, mas também de outras estratégias, como a promoção de protestos. As interceptações detectaram que o PCC estava por trás de uma manifestação em Brasília com cerca de 1,2 mil pessoas, em 25 de janeiro de 2017. A facção arrumou ônibus e confeccionou faixas.
Outra estratégia foi criar uma rede de “casas de apoio”, perto de presídios federais, para abrigar parentes de presos da facção que fossem transferidos para essas unidades.
De tiro não, de faca’
Interceptações feitas pela Polícia Civil mostram como funcionava o processo de decisão da facção para a execução de um rival. Em 27 de outubro, membros da organização foram flagrados em ligação organizando uma das execuções do “Tribunal do Crime”.
“Mete marcha na caminhada, faz o que tem que ser feito aí ó e manda pra nóis só o terminal, tá bom?” (sic), diz Rafael Silvestri da Silva, o Gilmar, no telefonema. Do outro lado, recebe a resposta positiva do “dono da quebrada”, que responde pelo apelido de Treme Terra: “Ô meus irmão, de tiro não, de faca!”
Em outra interceptação, os investigadores reúnem elementos sobre outras execuções em âmbito nacional. “A fita é o seguinte irmão, poucas ideia, pode passar o cerol (cortar o pescoço), tá bão? Pode fazer o que tem que fazer, falou? Pode falar que foi eu que dei o okay.”