A Nasa, que há uma semana completou 60 anos de existência, está finalizando os preparativos para uma das missões espaciais mais audaciosas de sua história. Na madrugada do próximo sábado (12), um dos mais poderosos foguetes do mundo, o Delta IV Heavy, deverá iluminar os céus de Cabo Canaveral, na Flórida, levando em sua cápsula a nave Parker Solar Probe (PSP), que será o primeiro artefato humano a “tocar” o Sol.
No fim dessa aventura inédita, programada para durar sete anos, a PSP chegará a 6,3 milhões de quilômetros de distância da superfície do Sol, um sobrevoo muito próximo, considerando os mais de 150 milhões de quilômetros de distância que separam a Terra de sua estrela. Suportando temperaturas e níveis de radiação nunca enfrentados por outra espaçonave, a PSP tem o objetivo de desvendar uma série de mistérios científicos que intrigam astrofísicos há décadas.
Com custo de cerca de U$S 1,5 bilhão (aproximadamente R$ 5,5 bilhões), a missão deverá mudar radicalmente a compreensão sobre o Sol e sobre sua influência no clima espacial – incluindo as tempestades solares que afetam os sistemas de satélites e as redes de eletricidade na Terra, de acordo com Nicola Fox, do Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins (EUA), que desenvolveu a missão PSP para a Nasa.
“A missão responderá questões sobre a física solar que têm nos deixado confusos por mais de seis décadas. É uma espaçonave carregada com inovações tecnológicas que resolverão muitos dos principais mistérios sobre a nossa estrela. Um dos objetivos centrais é descobrir por que a corona (parte externa da atmosfera) do Sol é tão mais quente que a superfície solar”, disse Fox.
Formada por plasma ultra-aquecido a milhões de graus, a corona envolve todo o Sol e consiste na parte externa de sua atmosfera – e ninguém sabe até hoje como ela pode ser milhares de vezes mais quente que a superfície e o interior do Sol. A corona também é, segundo cientistas, a origem do vento solar – um fluxo supersônico de partículas que o astro lança em todas as direções e afeta todo o Sistema Solar.
“Não sabemos como o vento solar se acelera tão rapidamente na corona, chegando a milhões de quilômetros por hora”, diz o diretor da divisão de ciência heliofísica da Nasa, Alex Young.
Para observar a origem dos ventos solares, a PSP vai “mergulhar” na corona. A nave deverá trazer mais informações sobre a corona e os ventos solares do que qualquer outro recurso científico já utilizado.
“Estamos nesse ambiente incrivelmente dinâmico do Sol e somos atingidos pelos ventos solares, que podem afetar não apenas a saúde de astronautas que trabalham no espaço, mas também nossos satélites, as telecomunicações e, em casos extremos, pode derrubar os sistemas de energia na Terra”, disse Young.
Caso tenha sucesso em seu lançamento no dia 11, a nave de 612 quilos, construída para suportar temperaturas de mais de 1,4 mil°C, passará por Vênus em 2 de outubro e fará sua primeira aproximação do Sol em 5 de novembro, chegando a 24 milhões de quilômetros do astro. A partir daí, a PSP usará a gravidade de Vênus para adquirir uma órbita em espiral, chegando mais perto do Sol a cada volta. Em sete anos, passará sete vezes por Vênus e 24 vezes pelo Sol.
Nas últimas três órbitas em torno do Sol, entre dezembro de 2024 e junho de 2025, a sonda aumentará sua velocidade para incríveis 700 mil quilômetros por hora, tornando-se o objeto mais rápido já fabricado pelo homem. A nave estará, então, recebendo uma quantidade de luz solar 478 vezes maior que a recebida pela Terra.
Escudo térmico. Além de enfrentar altíssimas temperaturas, a Sonda Parker será submetida a um intenso bombardeio de radiações de alta energia supersônica. Por isso, ela é equipada com um escudo especial de 11,3 centímetros de espessura, feito de um composto de carbono de alta tecnologia.
As placas solares que fornecerão energia à nave devem manter temperaturas adequadas, por isso se retraem durante as aproximações do Sol e se abrem quando a nave se afasta. Acoplado às placas solares, também existe um sofisticado sistema de refrigeração.
Os sensores e propulsores de controle de direção mantêm o escudo sempre voltados para o Sol durante toda a trajetória da nave. A parte mais estreita, hexagonal, tem um tanque de propelente embutido. Os instrumentos científicos ficam nos paineis frontais e traseiros.
Quando a espaçonave estiver longe do Sol, um sistema de telecomunicações fornecerá contato de alta velocidade por meio de uma antena de alta performance. Durante as aproximações, a nave ativará um sistema de contato de baixa velocidade, por meio de antenas de baixa performance.
Os diversos instrumentos científicos a bordo da PSP foram desenhados para medir propriedades chave das partículas ejetadas pelo Sol, como a composição e intensidade dos prótons e dos elementos pesados, assim como elétrons energéticos em múltiplas direções, em diversas partes do espectro de energias.
Objetivos
Os principais objetivos da missão Parker Solar Probe (PSP), da Nasa, envolvem entender como se origina o vento solar, como suas partículas se aceleram no espaço e como se dá o aquecimento da corona solar. Se a sonda trouxer respostas para essas questões, não só terá garantido uma revolução na astronomia como também permitirá melhores previsões sobre como os ventos solares afetam concretamente a Terra, segundo a astrofísica Adriana Valio, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em atividade solar e estelar.
O Sol emite um fluxo contínuo de partículas com carga elétrica – como prótons, elétrons e íons –, lançadas pelo espaço interplanetário com uma energia tão intensa e com uma aceleração tão grande que escapam da imensa gravidade do Sol e se espalham pelo espaço, chegando além da órbita de Plutão. “Vento solar” é o nome dado para esse fluxo.
“O vento solar chega o tempo todo na Terra, mas nosso planeta tem um campo magnético que nos protege dessas partículas carregadas. Só que esse vento solar não é homogêneo e, quando suas diferentes partes interagem, ele pode produzir uma onda de choque que perturba o campo magnético terrestre, causando as tempestades geomagnéticas”, explica a especialista.
De acordo com Adriana, as tempestades geomagnéticas chegam a afetar as comunicações com os satélites, alterar os sinais de GPS e até derrubar os sistemas de energia, produzindo apagões.
Ao olhar de perto esses fenômenos, afirma ela, a PSP ajudará a fazer previsões mais precisas das tempestades geomagnéticas. “Além disso, a missão trará avanço no conhecimento sobre todas as demais estrelas, porque certamente elas também têm a mesma estrutura de corona extremamente quente e vento estelar que observamos no Sol.”
‘Faz toda diferença’. Além de informações preciosas sobre o Sol e as estrelas, a missão PSP também trará avanços na compreensão da evolução dos planetas e, indiretamente, ajudará até mesmo na busca de vida em outros planetas, de acordo com o astrofísico José Dias Nascimento, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e atualmente pesquisador da Universidade Harvard (EUA).
“Esse conhecimento sobre a expansão da atividade magnética do Sol no espaço interplanetário por meio dos ventos solares é fundamental para quem estuda, como nós, a habitabilidade em outros planetas”, disse Dias.
Segundo ele, a dinâmica magnética do Sol tem propriedades que se espalham por todo o Sistema Solar. “Dependendo de como o Sol evolui, pode esterilizar um planeta próximo, por exemplo. Ao entender em detalhes como o Sol afeta seu entorno, vamos compreender melhor por que a vida surgiu e permaneceu na Terra, por que não surgiu nos planetas vizinhos e por que eventualmente pode ter surgido e não permanecido em outros planetas”, disse.
Uma missão capaz de chegar tão perto do Sol e para descobrir seus segredos não foi lançada antes porque só nos últimos anos os cientistas conseguiram desenvolver um sistema de proteção térmica tão eficiente como o que será usado na PSP.
“Faz toda diferença medir os ventos solares em sua fonte, ou seja na corona solar. Os cientistas precisam de medidas. Os modelos que temos são bons, mas são discutíveis, enquanto medidas são indiscutíveis. Apesar de termos uma boa ideia do que acontece no Sol, essa missão nos trará um grau maior de certeza científica.”
Entenda o mergulho solar
A nave Parker Solar Probe, da Nasa, será lançada até o dia 11 de agosto, do Centro Espacial Kennedy, na Flórida (Estados Unidos). O veículo lançador será o Delta IV-Heavy. A missão vai durar 7 anos.
O Sol e as partes do seu diâmetro de 1,4 milhão de km:
– Fotosfera: superfície luminosa do Sol, é a parte visível do astro, com cerca de 400 km. Sua temperatura varia de 6.200 a 3.700 graus Celsius.
– Cromosfera: camada do Sol que não é visível e chega a 2.100 km da fotosfera. A temperatura aqui varia entre 3.700 e 7.700 graus Celsius.
– Corona: camada mais externa do Sol, invisível a olho nu, começa a 2.100 km da fotosfera e não tem um limite máximo. A temperatura pode chegar a 2 milhões de graus Celsius
A nave possui:
– 2,3 metros por 3 metros;
– Peso de 612 quilos;
– Velocidade que pode chegar a 700 mil km/h;
– Escudo térmico de 11,4 cm de espessura, que suporta 1.377 graus Celsius;
– Custo de US$ 1,5 bilhão
Distâncias:
– Da Terra ao Sol: 150 milhões de km;
– O recorde atual de aproximação do Sol (Nave Helios 2, em 1976) é de 43,5 milhões de km;
– O encontro mais próximo da Parker Solar Probe com o Sol deve ser de 6,1 milhões de km.
Trajetória:
– Previsão de lançamento: 11 de agosto de 2018;
– A nave sobrevoará Vênus sete vezes, ao longo de 7 anos, usando a gravidade do planeta para chegar a uma órbita cada vez mais próxima do Sol;
– Em dezembro de 2024, a nave chegará a apenas 6 milhões de quilômetros do Sol e fará três sobrevoos na máxima aproximação.