Pela segunda vez, um presidente do Brasil passa por um processo de impeachment após eleições diretas. O primeiro caso foi o de Fernando Collor de Mello, que governou o país de 15 de março de 1990 a 29 de dezembro de 1992. Agora, Dilma Rousseff, que está no posto desde 2011 e foi reeleita em 2014, passa pelo mesmo processo, podendo ser impedida de exercer o cargo de presidente da República de acordo com a decisão de votações do Congresso Nacional.
As situações, separadas por mais de 20 anos, guardam diferenças e semelhanças bem típicas. A lista abaixo explicita algumas delas:
Medidas impopulares iniciais
O início do mandato de Fernando Collor foi parecido com o começo do segundo mandato de Dilma Rousseff. Ambos tomaram medidas impopulares, em meio a uma recessão, para tentarem retomar o crescimento.
Entre as atitudes de Collor, a principal foi um confisco de depósitos bancários superiores a 50 mil cruzeiros, por um prazo de 18 meses. A ideia era reduzir a quantidade de moeda em circulação. Dilma não teve nenhum ato de destaque – o conjunto de medidas é que chamou a atenção. A presidente adotou um plano de austeridade fiscal e impôs regras mais rígidas para aposentadorias, interrupção de projetos de desenvolvimento social e aumento de impostos que se refletiram na aquisição de itens básicos, como energia elétrica e gasolina.
Corrupção
Os escândalos de corrupção marcaram tanto o mandato de Fernando Collor quanto o de Dilma Rousseff. As denúncias que “entregaram” Collor foram feitas por pessoas que não exerciam nenhum cargo em seu governo – inclusive, de seu próprio irmão, Pedro Collor. Já com Dilma, houve um efeito dominó: primeiro foram sete ministros, substituídos em 2011 após supostos casos de corrupção; depois, a própria presidente foi afetada com descobertas de irregularidades relacionadas à Petrobras; e, enfim, escândalos mostrados por investigações feitas pela Operação Lava Jato.
Collor começou a ser denunciado ainda em 1991, após a imprensa divulgar que pessoas próximas do ex-presidente estavam envolvidas em escândalos de corrupção. O esquema foi divulgado em 1992, após Pedro, irmão de Fernando, conceder uma entrevista à revista Veja para fazer as revelações.
Com o auxílio de seu tesoureiro, Paulo César “PC” Farias, Fernando Collor desviava verbas públicas e realizava tráfico de influência política. A gota d’água foi a descoberta de um cheque de uma conta fantasma de PC Farias, utilizado para comprar um carro da marca Fiat Elba e para reformar a Casa da Dinda, residência oficial do presidente. O impeachment já era inevitável. Quatro anos depois, em 1996, PC Farias foi encontrado morto, aos 50 anos – na versão oficial, sua namorada, Suzane Marcolino, o matou e depois cometeu suicídio.
A rejeição popular contra Dilma Rousseff começou a ganhar corpo no ano de 2013, antes da realização da Copa das Confederações. As acusações na imprensa de que estádios de futebol estavam superfaturados, enquanto investimentos em saúde e educação estavam escassos, fez com que Dilma se tornasse alvo das manifestações da época, chamados de “Jornadas de Junho” e inicialmente realizados para protestar contra o aumento das passagens de ônibus.
Em 2014, denúncias relacionadas à Petrobras vieram à tona e envolveram políticos da base governista aliada de Dilma Rousseff. As investigações tiveram curso e a situação se agravou após o início do segundo mandato da presidente, em 2015. O processo de impeachment ganhou força após a revelação das “pedaladas fiscais” (atrasar de forma proposital o repasse de dinheiro para bancos e autarquias para melhorar artificialmente as contas federais), uso de dinheiro lavado em campanhas eleitoral e o episódio em que Dilma ofereceu um cargo em seu governo para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, investigado na Operação Lava Jato, para evitar sua prisão e passar a ter foro privilegiado.
Processo de impeachment
Há semelhanças entre o processo de impeachment sofrido por Fernando Collor e o que está sofrendo Dilma Rousseff. A CPI que julgou Collor foi instaurada em 27 de maio e o resultado saiu em 29 de setembro, que resultou em seu afastamento. Ele renunciou em 29 de dezembro, horas antes de ser condenado. O vice-presidente, Itamar Franco, assumiu o posto.
Já o processo que julga Dilma foi acolhido em 2 de dezembro de 2015, com autorização para criação de CPI no dia seguinte e resultados concretos começando a sair em abril de 2016. O desenrolar da situação da atual presidente tem demorado um pouco mais porque, entre outros motivos, há outros escândalos de corrupção envolvendo, inclusive, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha – responsável por acolher o pedido de impeachment. Com Collor, foi tudo mais rápido.
Consenso da população
Uma das diferenças cruciais entre o impeachment sofrido por Fernando Collor e o processo que passa Dilma Rousseff atualmente é o consenso da população. Enquanto boa parte dos cidadãos brasileiros concordava que Collor devia sair do cargo, com Dilma o assunto é um pouco mais complexo.
Isso acontece porque, na saída de Collor, quem assumiu foi Itamar Franco, político que já era conhecido e tinha a confiança de boa parte da população, por ter sido senador e governador pelo estado de Minas Gerais. Já Michel Temer, que será presidente caso Dilma Rousseff seja impedida de continuar no cargo, foi deputado federal por São Paulo e presidente da Câmara dos Deputados entre 1997 e 2001 e entre 2009 e 2010.
Além disso, a rejeição política no início da década de 1990 era contra Fernando Collor e sua base governista. Já nos dias de hoje, em função das inúmeras denúncias de corrupção, a população demonstra não ter confiança em ninguém – tanto que as pesquisas mais recentes indicam que os cidadãos também gostariam de ver o impeachment de Eduardo Cunha, atual presidente da Câmara e terceiro na linha de sucessão do governo atual. Atualmente, o povo quer mudanças, mas tem receio de praticamente todos os políticos envolvidos no cenário atual.
Por outro lado, a rejeição ao governo de Dilma Rousseff parece ser maior em função do número de manifestações populares que ocorreram – em 2015, três delas aconteceram antes da oposição política se mobilizar contra o mandato da petista. Já no caso de Fernando Collor, os protestos só vieram depois que os políticos começaram a se declarar favoráveis à saída dele.
Detalhes
A postura do Supremo Tribunal Federal (STF) em ambos os casos é um detalhe interessante. À época do impeachment de Fernando Collor, o presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, teve autonomia para formular as regras da tramitação. No ano passado, Eduardo Cunha, atual presidente da Câmara, não teve autonomia. “O prestígio pessoal de Cunha é muito baixo na Corte”, afirmou Brasilio Sallum Júnior, professor da Universidade de São Paulo (USP), em entrevista ao site da revista Época.
A força política de Fernando Collor e de Dilma Rousseff é um detalhe interessante nessa situação – e há diferenças gritantes nesse caso. Collor era filiado ao PRN, um partido “nanico”, e dependia de coligações para se manter no poder. Já Dilma é do PT, que, apesar de atualmente estar impopular, é um dos partidos mais fortes do Brasil, com poder, especialmente, sobre movimentos sociais.
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