Os ataques dos chamados lobos solitários estão se tornando cada vez mais comuns e ganhando mais destaque nos noticiários. O recente tiroteio que já matou, até o momento, 59 pessoas e deixou mais de 500 feridas em Las Vegas não é o único caso recente.
Nice, na França; Orlando, no estado da Flórida e o tiroteio na escola Sandy Hook são apenas alguns dos casos que chocaram o público e autoridades.
Como esses ataques são orquestrados por uma única pessoa, eles são mais difíceis de explicar do que um tiroteio ou bombardeio organizado por um grupo terrorista. Além disso, sua detecção e prevenção é bem mais complicada.
Uma longa história de ataques solitários
Apesar desse tipo de ataque ter se tornado uma preocupação recente, o simples fato de um indivíduo agir por conta própria não é algo novo.
No final do século XIX, muitos anarquistas convocavam indivíduos para atacar governos, autoridades e burgueses, como forma de chamar atenção para sua causa. Tanto que em um período de sete anos, entre 1894 e 1901, anarquistas solitários assassinaram os chefes de Estado da França, Espanha, Áustria, Itália e um presidente americano.
A grande diferença para os ataques atuais são as incertezas a respeito das motivações dos responsáveis. No caso do homem que atropelou diversas pessoas com um caminhão em Nice, já sabemos que ele se inspirou nos ataques de grupos terroristas, como o Estado Islâmico. Já em outros, como o de Las Vegas, ligações políticas, religiosas ou sociais não estão bem claras.
Os lobos solitários não estão exatamente “sozinhos”
Na tentativa de estudar os ataques dos lobos solitários, é muito difícil conseguir informações e muito menos estabelecer um padrão para cada evento. Um motivo é que pesquisadores utilizam diferentes definições.
Muitas pesquisas tentam examinar os ataques além daquele que foi conduzido por uma única pessoa. Por exemplo, muitos lobos solitários costumam ter a ajuda de cúmplices.
Alguns estudos observaram apenas os responsáveis que tinham um único motivo compreensível (como razões políticas, sociais e ideológicas), enquanto que outros incluem agressores que possuem razões particulares e estranhas.
Outro fato é que muitas pesquisas possuem diferentes visões sobre o que pode ser considerado um ataque solitário, já que em alguns casos, o responsável pode ter entrado em contato com algum grupo terrorista.
Com tantas diferenças, muitos já consideram que é mais proveitoso observar as características do ataque do que debater se o responsável agiu por conta própria ou não.
É a razão que já fez especialistas considerarem três elementos, em especial: solitude, direção e motivação.
Os elementos da solitude levam em conta se o responsável trabalhou com a ajuda de cúmplices ou de extremistas e qual grau que os outros envolvidos tinham em relação com o ataque.
Em Nice, por exemplo, o agressor estava sozinho quando dirigiu o caminhão entre centenas de pessoas, mas teve suporte logístico e encorajamento de alguns cúmplices.
Já a direção se refere à independência e autonomia do responsável em tomar decisões sobre o ataque. Por exemplo, o rapaz que escondeu uma bomba em sua cueca em um avião que ia para os EUA, em 2012, disse que recebeu essa orientação de terceiros, mas que teve liberdade para escolher o voo e a data do ataque.
Entendendo a motivação
A motivação é a dimensão que caracteriza a extensão do ataque: se ele é motivado por razões políticas, sociais, ideológicas ou até mesmo particulares, como vingança.
Tentar determinar o que fez tal indivíduo agir desta forma é algo extremamente subjetivo, e se torna mais complicado de entender caso o responsável seja morto ou acabe cometendo suicídio.
Como as razões dos agressores podem não ser verdadeiras ou acabem omitindo certos fatos, eles não são fontes muito confiáveis. Assim, uma aproximação mais segura é assumir que as causas de um ataque não são tão simples quanto parecem inicialmente.
É importante considerar as evidências que tenham relação com motivações políticas, sociais e ideológicas, mas também é essencial observar qualquer coisa que aconteceu recentemente na vida do indivíduo, que poderia lhe ter causado alguma instabilidade.
Por isso que é importante levar em conta uma gama de diferentes possibilidades e fatores que levam uma pessoa a cometer tal ato.
O papel das doenças mentais
Historicamente, pesquisadores não conseguiram encontrar uma forte conexão entre problemas mentais e comportamento terrorista.
Mas ter algum distúrbio mental, não necessariamente, evita que uma pessoa consiga planejar e executar um ataque.
Alguns estudos já apontaram que os envolvidos em diversos ataques solitários possuem 13 vezes mais propensão de ter algum problema psicológico do que aqueles que trabalham em grupo. Por exemplo, outra pesquisa apontou que um terço de 119 lobos solitários aparentava ter alguma desordem mental.
Já 24 responsáveis por atacar políticos europeus, entre 1990 e 2004, foram considerados “psicóticos”. E entre 83 pessoas que tentaram atacar alguma figura pública de renome nos Estados Unidos desde 1949, 43% delas estavam vivenciando desilusões durante o período do incidente.
Apesar de ter uma clara ligação, é importante ressaltar que, como qualquer outro fator em potencial, problemas e desordens mentais dificilmente conseguem oferecer uma única causa que explique um ataque desse tipo.
A presença de uma doença mental pode até ser menos importante do que a habilidade da pessoa em formar razões coerentes que expliquem os motivos por trás de um ataque solitário.
A “radicalização” deve ser considerada um fator?
Muitos lobos solitários não são identificados por grupos extremistas, recrutados ou doutrinados em uma ideologia radical. E mesmo aqueles que expõem uma retórica extremista ou alegam defender uma causa, podem fazer uso de ideologias que não são verdadeiras. Na verdade, ataques inspirados no terror costumam incluir motivos particulares em seu meio.
Quando um ataque solitário acontece, especialmente se há indícios de ligação um grupo radical, uma primeira pergunta que fazemos é “onde e como que a pessoa se converteu?”
Mas em alguns casos, não é exatamente o que aconteceu.
Embraçar uma ideologia de forma fanática não é uma condição necessária para executar atos terroristas e ou causar um assassinato em massa. As pessoas que se envolvem nesse tipo de atividade violenta e extremista possuem uma variedade de contextos, momentos e formas para justificar esses atos.
Sim, a radicalização é um fator preponderante em atos e ataques terroristas, mas igual aos demais tópicos deste texto, também não deve ser o único fator levado em conta.
Observando os sinais
Os responsáveis por ataques dessa natureza – incluindo os lobos solitários – costumam dar alguns indícios de que vão executar um ataque, mesmo que não ameacem seus alvos diretamente.
Um estudo já descobriu que dois terços dos envolvidos em atos desse tipo, independente se são terroristas ou não, costumam contar para a família e amigos sobre o seu desejo de executar um ataque.
Em mais da metade dos casos, pessoas além da família e amigos também costumam ter conhecimento da pesquisa, planejamento e preparação do ataque dos agressores.
Encontrar uma forma de convencer a pessoa a abandonar essa ideia e procurar ajuda ainda é a melhor forma de evitar novos ataques dessa natureza.
A cobertura da mídia
Sim, a mídia não tem culpa por ataques causados por lobos solitários ou grupos terroristas. Mas uma pesquisa já sugeriu que a cobertura da imprensa nesse tipo de caso costuma dar mais atenção para quem o executou do que as próprias vítimas, o que pode ser responsável por um “efeito contagiante.”
Pesquisadores de uma universidade do estado do Novo México, nos EUA, já descobriram que a frequência desses tiroteios aumentou em proporção por conta da cobertura da imprensa.
Se considerarmos que muitos atiradores em massa (não necessariamente apenas os lobos solitários) costumam estar em busca de fama e notoriedade, esse efeito contagiante não chega a ser surpresa alguma.
A imprensa deveria mudar a abordagem sobre esse tipo de ataque. Por exemplo, evitar dar detalhes e as armas usadas no ato, bem como os seus métodos, evitar expor as contas do responsável nas redes sociais, não sair divulgando seu nome e evitar entrevistar sobreviventes quando estão mais vulneráveis.
Não é fácil entender os motivos que levam um lobo solitário a agir sozinho. Mas entender suas origens, elementos e contexto podem ajudar a evitar a propagação de falsos conceitos e descrever o problema de forma mais precisa.
É um fator chave para conseguir detectar e prevenir esse tipo de ataque.